
A mentalidade primária, vigente entre crianças, primitivos e intelectuais contaminada pela aids ideológica é maniqueísta. Tudo é branco ou preto, bom ou mau, justo ou injusto. Na dicotomia idiota que herdamos dos jacobinos de 1793, o maniqueísmo é o da esquerda x direita. A propaganda totalitária, a dos nazistas como a dos comunistas, sempre se valeu dessa divisão simplória que facilita o julgamento daqueles cujo raciocínio adoeceu ou ainda não amadureceu. Na política partidária, o dualismo se concretiza de modo semelhante: governo x oposição.
A velha sabedoria política britânica, no entanto, dividiu as Casas do Parlamento em duas bancadas que se defrontam para o debate: o partido no poder senta-se de um lado, a oposição, do outro. Com forte dose de bom humor, o debate oral é muito mais tranquilo e disciplinado do que em nosso Congresso onde as ilustres Excelências, quando presentes (o que não é frequente), se concentram de pé diante da mesa, para um bate-boca bagunçado que pode terminar em gritos e safanões. Nos Estados Unidos, 200 anos de experiência constitucional conduziram à criação de dois partidos de conteúdo ideológico bastante vago que, por força mesmo do sistema, tendem para o centro. Republicanos e democratas refugam os excessos e seus candidatos bem-sucedidos sabem conciliar as divergências. O que é, aliás, a democracia senão a conciliação de interesses necessariamente opostos, segundo regras legais bem definidas e tolerantes de opiniões contenciosas?
No Brasil atual, não descubro o esquema acima apresentado. Diria antes, machadianamente, que “a confusão é geral”… Os interesses de extrema complexidade e repletos de contradições constelam-se em tendências ideológicas de expressão político-partidária que podem ser classificadas em três categorias imbricadas. No quadro da opinião pública, observamos um triângulo, não uma polaridade. A primeira seria a da chamada “Esquerda”. De uma facção lunática que imagina o Lula, coadjuvado por outros como o carismático líder mundial de uma “terceira” internacional troglodita, destinada a ressuscitar o estatismo marxista após a queda da URSS, há muitos matizes entre esses destruidores da sociedade. O segundo núcleo ideológico arregimenta-se em torno do nacionalismo, estendendo-se desde os militares nostálgicos do AI-5 ou obcecados com a “cobiça estrangeira” sobre a Amazônia (cobiça bem mais obscena me parece ser a dos governadores locais…) até os burgueses ultraconservadores e, last-but-not-least, os empresários monopolistas, temerosos da concorrência estrangeira e sedentos das tetas do Tesouro nacional. Me dei conta disso ao assistir a uma série de conferências antiglobalistas num cenáculo acima de qualquer suspeita – o do Conselho Técnico da CNC (que edita a revista Carta Mensal). O laço comum entre os “patriotas” é o ódio entranhado à globalização e a seu polo paradigmático, os Estados Unidos, invariável bode expiatório de nossas mazelas. O outro feitiço que, estranhamente, vincula a esquerda e a direita é o apropriadamente qualifico o PTFP (Partido dos Trabalhadores do Funcionalismo Público federal, estadual e municipal). Não desejam perder a carniça… A terceira tendência, finalmente, é aquela a que pertenço, o liberalismo globalizante.
Embora não seja “historicista’, estou firmemente convicto que a liberdade é o caminho do futuro e, por isso mesmo, não sou pessimista. O pior que nos poderá acontecer, se os dois adeptos do autoritarismo vencerem as eleições de 2022, é atrasar nosso desenvolvimento por mais 20 ou 30 anos. Mas o Brasil continuará, como continuam Cuba, Coréia do Norte, Congo e Afeganistão, por que não? Não é o que desejam?