ZFM-53, senso e contra-senso – por Osíris Silva

Escritor e economista Osíris Silva/Foto: Divulgação

A bancada do Amazonas no Congresso Nacional decidiu rebelar-se contra o governo Bolsonaro. O propósito é demonstrar insatisfação em relação à forma “prejudicial” com que, argumentam seus líderes, vem tratando os interesses da Zona Franca de Manaus. A estratégia é colocar em pauta na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) projetos dos quais “o governo não goste”. Falando francamente, porém, nossa bancada., em assim procedendo, atenta contra medidas que contrariam, em última instância, interesses da nação, da própria sociedade. Com efeito, ao assumir o “nós contra o país”, o Amazonas já perde credibilidade e respeito nacionalmente prejudicando, talvez até irreversivelmente, a tramitação de eventuais planos e programas submetidos ao Planalto sobre reestruturação do modelo ZFM e outros.


Tal posicionamento, raciocinando friamente, torna-se ineficaz considerando o tamanho da bancada federal do Amazonas. Oito deputados contra 505. Se não estabelecer níveis de negociação com a maioria, o boicote perde eficácia. É chover no molhado. Nossos representantes precisam agir profissionalmente, despidos de mágoas inúteis. Bom cabrito não berra, diz o velho ditado. A milenar sabedoria chinesa aconselha: em horas desfavoráveis, deve o guerreiro manter-se atento, sentidos aguçados. Palavras vazias nada podem fazer. É melhor usar a força interior para resistir, com paciência, e saber agir no momento adequado.

Enquanto se condena o presidente da República por supostas ameaças à integridade do modelo Zona Franca, permite-se o tempo fluir livre e candidamente, deixando-se de fazer o dever de casa. Fato aparentemente irrelevante, se podemos sempre transferir a terceiros nossos malogros e fracassos. Há uma Reforma Tributária em curso e ainda inexiste um Plano B para a ZFM no horizonte 2073. Oportuno questionar, a propósito: onde estão os estudos técnicos sobre a incorporação dos recursos da biodiversidade, da mineração, do ecoturismo, dos biofármacos, dos biocosméticos, da bioeconomia, enfim, para fins de estruturação da nova matriz econômica do Estado? Lamentável o irresponsável comodismo, a incapacidade de resiliência de nossas autoridades, e a propensão marginal “ao deixar como está para ver como é que fica”. Conclame-se nossas lideranças, a universidade e os centros de pesquisa para elaboração de nosso planejamento estratégico, responsabilidade exclusivamente local, não de terceiros.

O Amazonas, desde Ajuricaba, jamais precisou tanto de seus jacumaúbas, proeiros de nossas igarités, guias e chefes nos deslocamentos dos povos indígenas para festas, caçadas ou guerra. Muitos ora recolhidos e distanciados dos desafios que se interpõem nessa fase de transição da economia brasileira. Com efeito, no lugar de contraproducente “pauta bomba”, permito-me observar, a representação política, associada ao governo estadual, Suframa, classes empresarial e laboral, com apoio da universidade e centros de pesquisa, precisa de fato se concentrar sobre premissas concretas relacionadas à reestruturação da ZFM-2073. Uma responsabilidade inteiramente nossa, impostergável, não do governo Federal. Precisamos dar um fim ao complexo de coitadinho que nos leva, tal qual avestruz, a enterrar a cabeça diante de vicissitudes.

O leitor Álvaro Villaverde, ex-executivo do PIM, por e-mail, observa: “a Zona Franca foi criada para ser temporária, até que o Amazonas encontrasse uma forma de manter sua economia auto-sustentada. Nos últimos 30 e poucos anos que moro em Manaus só vi tentativas de torná-la perene, e muito raras ações direcionadas a criar opções de desenvolvimento. Nem uma estrada ligando ao Sul do país tivemos competência para negociar e conseguir. A ZFM, cedo ou tarde, vai pagar o preço por não ter conseguido diversificar sua economia”, conclui. Reconhecer e entender essa realidade não é difícil; basta que haja, objetivamente, vontade e decisão política. Jacumaúbas, deixem as tocas, mostrem as caras.

Manaus, 16 de março de 2020

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