
De acordo com a jovem, que não teve seu nome revelado por questões de segurança, o grupo a atingiu com socos e usou um canivete para desenhar uma suástica em sua barriga.
Porém, segundo sua advogada, a jovem “optou por não representar criminalmente. Ou seja, ela não vai dar prosseguimento ao caso em virtude do abalo emocional dela”.
O delegado titular da 1ª Delegacia de Porto Alegre, Paulo Jardim, diz que os suspeitos de cometer agressão ainda não foram identificados e o desenho não é um símbolo extremista.
“Eu fui olhar o desenho que fizeram na barriga dela. É um símbolo budista, de harmonia, de amor, de paz e de fraternidade. Se tu fores pesquisar no Google, tu vai ver que existe um símbolo budista ali. Essa é a informação”, afirmou em entrevista à BBC News Brasil.
Responsável pelas investigações do caso, Jardim afirmou que a jovem relatou ter sido agredida no início da noite de segunda-feira por três rapazes após descer de um ônibus. “O termo que ela usou foi que riscaram a barriga dela com um canivete e agrediram ela com socos. Ela estava usando uma camisa do ‘Ele não'”, resumiu o delegado.
Ele criticou a cobertura da imprensa sobre o caso e disse que veículos de comunicação estão “forçando uma barra, insinuando mil e uma situações que não é nada que tem nos autos”.
Zalmir Chwartzman, presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, não quis comentar as declarações do delegado. “Temos que ter prudência e aguardar as investigações. A insanidade que tomou conta do país é assustadora. Cabe neste momento uma manifestação dos dois candidatos pedindo paz no Brasil. Há gente que faz loucura em nome de Deus, Alá, Moisés, Lula, Bolsonaro, mas o Brasil é maior que as pessoas e os partidos.”
Investigação em andamento
O delegado afirmou que a vítima só registrou um boletim de ocorrência cerca de 24 horas após a agressão.
“Tomamos conhecimento há mais ou menos uma hora porque ela não registrou na minha delegacia, que é o local do fato. Ela não registrou na área judiciária, que é o centro de tudo. Nem na Polícia Militar foi registrado. Ela registrou na segunda delegacia de polícia ontem de noite.
Eu fiquei sabendo do fato porque a mídia começou a me ligar e eu fui correndo atrás”, afirmou.

“O que eu tenho é isso. Uma moça agredida que foi riscada na barriga e, pelo desenho que ela expôs na internet, é um símbolo budista, de amor e fraternidade.”
Ao ser questionado sobre a motivação de alguém cortar a pele de outra pessoa com um canivete para desenhar um símbolo de amor, o delegado ironizou. “Aí, eu teria de perguntar para esse alguém. Eu seria adivinho e eu não sei adivinhar.”
O que diz a defesa da mulher
Gabriela Souza, advogada da garota, afirmou que sua cliente foi atacada gratuitamente por estar com um adesivo com os dizeres “#EleNão” e um arco-íris, um símbolo LGBT. Não houve, segundo relato dela à polícia, citações diretas dos acusados à disputa eleitoral.
“Esse ato homofóbico foi feito com o objetivo de intimidá-la. Ela foi atingida física e emocionalmente. Existe aí um óbvio contexto político subentendido”, diz a advogada.
Para Souza, a declaração do delegado sobre a suástica foi precipitada.
“Ele fez uma declaração completamente equivocada num primeiro momento, até porque, entre outras coisas, o comportamento dos agressores é incompatível com o budismo. Mas ao longo do depoimento prestado à tarde ele entendeu a gravidade e a proporção do caso e então passou a dar a atenção correta. O Estado precisa estar preparado. Não pode confundir suástica, símbolo do nazismo, com símbolo de amor, da paz budista, porque é justamente isso que está acontecendo na política atual.”
Questionada sobre o trio de suspeitos e o estado de saúde da jovem, a advogada não quis dar mais informações a fim de preservar sua cliente, que não quis conceder entrevista.
Ocorrência ‘inédita’
Ainda segundo delegado, é a primeira vez que ele atende a uma ocorrência com essas características. “Eu não tenho notícia de fato semelhante. É inédito”, diz.
Jardim contou que a jovem foi encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML) para fazer exame de lesão corporal. O laudo deve ficar pronto nos próximos dias.
“Foi um delito de pequeno poder ofensivo, uma lesão leve, e nós vamos fazer um termo circunstanciado”, afirmou o delegado responsável pelo caso.
Ele diz que a polícia está “procurando imagens, testemunhas, e estamos batendo nas casas para ver se alguém testemunhou alguma coisa”. O delegado disse ainda que vai ouvir a jovem, o que ainda não havia ocorrido.
Segundo a assessoria de imprensa do Ministério Público estadual gaúcho, não foi registrado nenhum caso recente relacionado a atos neonazistas no Estado.
O MP-RS destaca, ao mesmo tempo, que, em setembro, foram condenados em Porto Alegre três homens por tentativa de homicídio triplamente qualificado, após terem agredido a facadas, socos e pontapés, em 2005, três jovens que usavam um quipá (símbolo judaico). Os condenados faziam parte do grupo skinhead Carecas do Brasil, segundo a Promotoria.
Como a suástica foi adotada pelo nazismo?
A suástica tem origens complexas e, antes dos nazistas, foi usada por diferentes religiões e culturas, diz a antropóloga Adriana Dias, cuja tese de doutorado explorou o movimento neonazista. Segundo ela, gregos, hindus, celtas e até os nativos americanos utilizaram o símbolo com diferentes fins.
O historiador e jornalista Marcos Guterman, autor do livro Nazistas entre Nós , explica que os primeiros traços do símbolo surgiram nas culturas orientais. No contexto do sânscrito, ele significa boa fortuna ou boa sorte e pode ser encontrado em diversas religiões asiáticas, inclusive o budismo. Por isso é fácil ver representações como essas em templos.
No entanto, apesar de reconhecerem que a suástica tem outras aplicações, ambos descartam que o desenho na foto da jovem de Porto Alegre signifique algo como “paz e amor”.
“Existe essa relação religiosa, mas neste caso claramente não se trata disso. A agressão é diretamente relacionada com o nazismo. Não precisa ser policial para saber”, diz Guterman.
Ele diz que a suástica se fortaleceu na Alemanha no começo do século 20, quando foi adotada por movimentos ultranacionalistas. A partir daí, os nazistas conheceram o símbolo e o divulgaram como uma de suas marcas.
“A Alemanha tinha sido unificada há pouco tempo e era uma afirmação nacional, uma representação idealizada do passado.”
Sobre o argumento de que o desenho está ao contrário e por isso não seria o símbolo nazista, Dias diz que os membros do partido usavam suásticas em diferentes inclinações e tamanhos, e que ela era apenas um entre mais de 500 elementos da simbologia adotada por eles.
“(Um dos principais líderes do partido nazista) Heinrich Himmler, que teve a ideia do roubo das grandes obras de arte nos países ocupados, tinha em seu castelo no Nordeste da Alemanha uma suástica com a mesma rotação que a desenhada na menina.”
Fonte: BBC