Sobrevivente de linchamento no MA relata como foi espancado

Cleidenilson Silva, conta como sobreviveu ao espancamento/Foto: Diego Torres

O Maranhão está de novo em destaque no noticiário nacional de forma negativa. Há exatos um ano e seis meses morria uma criança vítima de um ataque incendiário a um ônibus. Ana Clara chegou a ficar por três dias numa UTI, mas o alto grau das queimaduras foi fatal: 95% de seu franzino corpo não suportaram os ferimentos.
A retomada da atenção da imprensa brasileira para o estado veio de uma forma “medieval”. Dois supostos assaltantes foram espancados, um morreu com três perfurações profundas causadas por um casco de garrafa. Amarrado a um poste, Cleidenilson Silva, de 29 anos foi linchado pela população do São Cristovão, um bairro da capital, São Luís, que tem como perfil o grande número de oficinas mecânicas.


O adolescente, de 16 anos, se fingiu de morto. Sem apresentar nenhum corte que possa ser assemelhado à mesma “arma” que matou seu colega, ele conversou com o Terra enquanto aguardava ser chamado pelo delegado. Arredio e com uma voz mais fina do que o habitual para uma pessoa de sua idade, ele dá a sua versão. Duas irmãs o acompanham. Uma aparenta ter menos de 18 anos e a outra um pouco mais. Os pais ficaram em casa.

Eu tava em casa quando o Xandão me chamou para ir num lugar. Eu perguntei o que era e ele disse que era para entregar uma arma. Eu perguntei onde era e ele me disse que eu ia saber quando chegasse lá. Ele me entregou a arma e depois ela caiu da minha mão enquanto eu entregava para ele. Um cara gritou que a gente era ladrão e outro veio com um pedaço de pau na cabeça dele (Xandão).Aí foi chegando cada vez mais gente batendo, jogando pedra…

Embora narre que apanhou muito, o adolescente tinha um grande arranhão no lado direito do rosto e alguns arranhões menores espalhados pelo corpo.

Enquanto fala dos cortes, a irmã o interrompe e pergunta se os hematomas na perna foram causados pela garrafa. Ele, nega: ” Não, não…em mim ninguém veio com garrafa não ”.

Ele diz que teve medo de morrer e fala que se fingiu de morto. Thays Santos mora algumas casas adiante do poste que seria mais tarde comparado ao pelourinho e foi uma das pessoas que o protegeu.

A conversa durou pouco mais de 10 minutos, e apenas quando falou do medo e de quando viu a garrafa enfiada no peito ele embargou a voz. “Eu vi o velho saindo do bar com a garrafa, quebrando na cabeça dele e enfiando.”

Thays conhece o adolescente e o trata pelo nome no diminutivo. “Ele empinava papagaio (pipa) aqui. Andava com um menino que tentaram matar. A mãe do outro mandou ele para outro estado”. O amigo que ficou escaparia da morte durante um espancamento e seria testemunha de um linchamento anos mais tarde.

Ele está em idade escolar, mas não estava em casa ao meio dia por causa das férias escolares. “Fui expulso da escola no meio do ano passado. Inventaram uma história para a diretora e ela pensou que fui eu”. No livro de registros consultados pela reportagem com uma funcionária da unidade de ensino consta que ele foi reprovado em 2011 quando cursava a 4ª série. No ano anterior, aprovado com “muito bom” em português e matemática; “regular” em história e “bom” em ciências, geografia, religião e arte.

A conversa é interrompida quando uma outra irmã que voltava de um lanche com dinheiro dado pelo delegado vem correndo e reclama que tem dois carros de reportagem na porta da casa dela. Nesse momento ele pula e vai em direção a um delegado que passava pelo corredor. “Eu não vou falar com ninguém, não vou falar com ninguém. Manda eles saírem de lá. Não vou falar mais nem contigo”, aponta. Ele e a irmã entram na sala e o delegado minimiza a euforia do adolescente. “Calma, isso é assim mesmo, daqui a pouco eles vão embora”.

Na Delegacia do Adolescente Infrator (DAI), no bairro que leva o nome de “Madre Deus”, um fato que pode reforçar a “imaturidade” no mundo do crime, pois não há nenhuma ocorrência tendo ele como envolvido.

A delegada Hirana Coelho é a titular e após uma consulta ela confirma que não há outro registro policial contra ele. Ela está há 3 anos na delegacia e já tem até um certo conhecimento de muitos jovens. Tanto que ela responde que nunca tinha visto ele antes, faz um esforço e tira a dúvida depois de uma ligação.

A parceria com Xandão
A droga pode tê-lo aproximado de Cledenilson. Thays, a moradora citada acima, disse que moradores da região comentavam que ele era aviãozinho de traficantes. Os pais de Xandão confirmam que ele usava droga, maconha, ou “chila” como diz o pai, Antônio Silva.

A delegada defende que o tráfico de drogas é o responsável por tantas crianças no crime. Já “seu” Antônio deixa escapar. “Ele fumava a chila dele, mas se tu quer saber, ele era muito mais tranquilo depois de fumar. Ele brincava comigo e era mais carinhoso. Ele sempre era, mas depois do cigarro, aumentava.”

Antônio é lanterneiro e há poucos dias teve um problema no “coração” resume a companheira, Maria José Gonçalves. Cleudenílson era filho de outro relacionamento e muito apegado ao pai. Há alguns meses ele esteve no Piauí, para tentar se adaptar a uma nova vida na casa do avô.

Voltou e, ao chegar em casa, causou surpresa ao pai. “Eu tenho que morar é com o senhor mesmo, meu lugar é aqui”, respondeu quando perguntado sobre o que ele estava fazendo ali. No quarto, ele mostra o perfume preferido de Xandão. “Parece que eu tô é vendo ele passando aqui com esse cheiro. Ele faltava acabar com o vidro”, comenta com um rápido riso.

Cleidenílson tinha 29 anos fazia trabalhos como soldador e havia recém descoberto que seria pai. Os exames feitos pela namorada foram pagos por ele. Antônio fala que o filho estava feliz, dizia que queria tirar um diploma para arrumar um trabalho, cuidar da família e ajudar o pai.

O carinho ao lembrar de como o filho separava algumas frutas numa bacia e sentava na porta de casa denuncia. “Quando eu procurava as coisas e via que ele tava distribuindo, perguntava se ele não tinha mais o que fazer”. A resposta era sempre a mesma. “O que é que tem, deixa o povo”.

Bastante espirituoso, diz não guardar rancor de ninguém que possa ter participado das agressões. No entanto, o desejo é de que tenham vida longa e que mudem a perspectiva que têm da vida.

A mãe de Cledenilson o entregou ao pai quando ele ainda tinha um ano e meio. Com a  primeira madrasta morou dois anos e com a atual esposa do pai mantinha um relacionamento como um filho. Sem dormir bem desde o dia do crime, ela diz que queria entender a cabeça de uma pessoa que participa de um linchamento. “Eu queria saber como eles estão se sentindo hoje”.

Ela ressalta que acredita na inocência do filho e sustenta que ele não mentia para ela e sempre confirmava quando fazia alguma coisa na rua. Sobre a arma, ela diz que nunca tinha visto nenhuma em casa.

Maria é cozinheira em Arari, cidade distante cerca de 170 quilômetros de São Luís. Ela vem à capital de 15 em 15 dias. Apenas num momento ela admite a possibilidade de seu filho estar errado. “Não tinha precisão (necessidade) dele fazer isso. Se fez foi a primeira vez,” estima.

Até então, a única confusão na qual ele tinha se metido havia sido em 2012 quando teve o pescoço cortado depois de uma discussão num bar. O agressor era um conhecido do bairro com quem, inclusive, já havia estado em outros momentos. “Ele não falava em vingança. Dizia que Deus era quem sabia o melhor dele e que não ia ser ele a fazer alguma coisa contra alguém.”

A rua onde morava com os pais e mais um irmão está longe de figurar entre as piores no que diz respeito a infraestrutura. Na frente de três casas, um grupo de crianças jogam futebol. Dona Raimunda Sanches diz que ainda não acredita na morte do vizinho de frente. “Parece que eu tô é vendo ele ali, sentado, provocando os outros meninos. Ele não merecia isso”, finaliza.

Polícia tem duas hipóteses para linchamento e suspeitos devem ser indiciados

O delegado Cláudio Santos Barros informou que, até o momento, as investigações ainda estão começando. Duas dezenas de testemunhas já foram ouvidas, desse total, 12 tem alguma informação relevante. “Muitos dizem que tinha muita gente e não sabe identificar quem participou”. (Terra)

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