

Ninguém dizia que Dona Martha Falcão, era “professora”: dizia “educadora”! E, embora a diferença possa parecer sutil e sem importância, pois ambas se referem à mesma profissão, há um verdadeiro abismo entre esses dois mundos pedagógicos. Conheci Dona Martha como minha professora de Ciências, no Instituto de Educação do Amazonas, lá pelo final dos anos 60, quando estava no Ginasial.
Confesso que, embora sempre carinhosa e atenciosa, ela fazia tantas perguntas, interrogava cada um de nossos gestos e palavras, parava a explicação com seus olhos claros, que eu tinha medo dela: medo de dizer besteira, de fazer besteira, de não saber justificar palavras e ações.
Dona Martha conseguia a atenção e seduzia os alunos, fazia uma excelente exposição da matéria, ensinava com clareza e eficiência, obtinha resultados positivos de aprendizagem. Conhecia sua disciplina com profundidade, mas acima de tudo isso, estava preocupada com os fins da educação e não com conteúdos, com a formação integral da pessoa e não com simples resultados de aprendizagem, com a continuidade do mundo e não com a transmissão da matéria.
Dona Martha era capaz de, ao mesmo tempo, reunir um monte de crianças à sua volta durante os recreios, interrogando-as, formando-as e divertindo-as, no melhor estilo de uma Sócrates de saia (ou um misto de Paulo Freire com dona Benta!), de preparar e discutir complexos projetos de educação de adultos, mas também de enfrentar os cães raivosos da depredação ou, numa escala menos violenta, pais de alunos espremidos. Fez do Meio Ambiente e da Sustentabilidade a veia de suas pesquisas, estudos e formação.
Ressalto a contundente inteireza de caráter sincero e o coração bondoso de uma das pessoas mais íntegras que tive a sorte e o privilégio de conhecer. Essa integridade se estende à toda sua família. Eles formam um condomínio familiar de simplicidade, honradez, lealdade e dignidade, no mais alto significado que a palavra integridade possa alcançar. Olhemos à nossa volta e facilmente constataremos o vazio e a desolação que a ausência dessas qualidades nos fará: fazer da educação uma arte da construção de si e da interrogação de nossas certezas era o que Dona Martha melhor sabia fazer e, a isso, dedicou quase toda sua vida.
Enxugue as lágrimas Nahum, levante a cabeça Nely, que soluço é esse Ney, Nelson, Nelcy, Nelcymar?…Todos nós tivemos o grande privilégio de conviver com uma pessoa que fez da sua vida uma obra de dignidade e de compromisso, e que morreu de mãos limpas. Não são muitos os exemplos que podemos fornecer nessa matéria… Seja como for, fica-nos o desconsolo e uma desagradável sensação de tontura. As portas da morada de Deus se abrem para recebê-la, com aquele coro de anjos para acolher quem na Terra sempre foi um anjo de doçura e de bondade. A morte estabelece prioridades incompreensíveis.(Flávio Lauria é Professor Universitário e Consultor de Empresas – [email protected])