Amizade e política – por Carlos Santiago

Carlos Santiago é Sociólogo, analista político e advogado.

Nos dias atuais são muito comuns conflitos entre familiares e amigos por causa de divergências políticas, sobretudo daqueles que passam por carências de várias naturezas e acabam por usar o clima negativo da política para extravasar suas emoções, frustrações e dificuldades de conviver numa sociedade na qual o motor é a incerteza, o medo, a insegurança, o consumismo e a intolerância. Esse tipo de conflito tem o condão de fragilizar os laços familiares, sociais e de amizade, por isso, é prudente evitá-los.


Há nove meses, poucos dias antecediam o segundo turno da eleição presidencial, acordei cedo e fui tomar café numa padaria próxima de casa. Quando entrei, encontrei dois amigos de infância, proprietários de oficinas mecânicas, os quais me chamaram à mesa onde já estavam degustando o café matinal e lendo jornais. Sentei junto a eles e logo um deles começou a argumentar a favor de um determinado candidato presidente da República, repetindo suas ideias: “todo cidadão de bem tem que possuir armas de fogo mesmo”; “um preto não pode ter mais direito que um branco, somos iguais;” a mulher não pode ganhar como um homem”; “o Brasil não pode ser um País dos gays”. Fiquei em silêncio ouvindo aqueles comentários, esperando o melhor momento para ponderar. Refleti, pensei bem no que dizer, e disse: meus caros, gosto muito de vocês, e prefiro falar do que nos une. Ambos concordaram, mas um deles ainda falou que eu era o “cara” mais metido a falar do grupo, depois da leitura do Manifesto Comunista, o que, claro, não concordei.

Reiniciamos a conversa e começamos a relembrar nossas vivências: as brincadeiras de crianças, a nossa juventude, as boas interações das nossas famílias. Lembramos os jogos de futebol e de como era divertido soltar pipas. Ah! Como era difícil comprá-las; as primeiras paqueras nas tardes dançantes; as primeiras e as inesquecíveis namoradas; as reuniões para responder os exercícios de matemática; os amigos que se foram deixando saudades. Descobrimos juntos que os nossos corações guardam muita saudade. No final da conversa, eles fizeram questão de pagar o meu café da manhã. Saímos do local sorridentes e cada um foi ao seu trabalho.

Carlos Santiago é Sociólogo, analista político e advogado.

Na última semana, voltei a encontrá-los novamente, agora num restaurante que oferece culinária regional. Eles continuam afinados com os políticos, agora, representantes oficiais do Executivo federal e estadual. Entre uma degustação, uma farofa de carne e uma caldeirada de tambaqui, comentamos sobre o filme que conta a história do cantor inglês Elton John, suas músicas; sobre a passagem rápida do músico Fábio Júnior por Manaus, e até sobre os crimes bárbaros que ultimamente vêm assolando a nossa cidade.

Claro, a política não ficou de fora do bate-papo. Na pauta constatou a diminuição da atividade econômica, a falta de credibilidade dos políticos e as divulgações de diálogos comprometedores do ministro da justiça quando era juiz. Nem o inexperiente governador do Amazonas e o soberbo prefeito da capital ficaram sem avaliações negativas sobre confiança, mas todas conduzidas com ponderações e num ambiente de amizade e respeito.

Depois de tantas comilanças e conversas agradáveis nos despedimos. Antes de entrar no meu carro, o amigo mais novo, em tom sorridente, gritou: “Carlos, você anda muito engomadinho nos nossos encontros, nem parece aquele pobre idealista que não tinha sapatos e queria mudar o mundo”. Depois foi embora. Parei e refleti com tristeza sobre aquela frase. Lembrei que quando jovem, embora não tivéssemos dinheiro, sobrávamos sonhos. Tínhamos referências na política, na profissão e na vida. Hoje, lutamos somente para manter a boa amizade e um bom convívio.

Carlos Santiago Sociólogo, Analista Político e Advogado.

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