Deformação educacional – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Caros leitores, vejo com tristeza o atual Ministro da Educação de nosso país, tomar medidas desnecessárias e depois voltar atrás como se nada tivesse sido feito. Não quero discutir aqui o cantar do Hino Nacional nas escolas, não quero discutir aqui a volta da matéria Moral e Cívica, e muito menos mostrar que o guru do Presidente o filósofo Olavo de Carvalho, é quem manda no Ministério de Educação. O que quero mostrar é que o ensino formal no Brasil vive grave situação de precariedade. As lamentáveis características negativas que apresenta constituem verdadeiro cemitério e assinalam a morte cultural de sucessivas gerações. São os índices de exclusão do ensino básico de crianças de sete a 14 anos, que deixam as salas de aula para engrossar uma das vergonhas nacionais, a população dos chamados “meninos de rua”, e pior ainda aqueles recrutados pelo narcotráfico. É a repetência contumaz, notoriamente, uma das fortes causas do êxodo escolar. É a insuficiência de professores nas salas de aula, deixando centenas de crianças longe das escolas, soltas, livres, ao alcance de todas as seduções da criminalidade.


Em resumo, é o mau aproveitamento escolar generalizado, cuja principal consequência é o número assustador de delinquentes infantis e o elevado percentual de adultos analfabetos ou semialfabetizados. Esse é o quadro gritantemente real que as pesquisas sociais e as estatísticas nos apresentam, refletindo as deformações educacionais do nosso cotidiano, mas sem identificar os fatores agravantes da crise.

Fatores menos tangíveis, é verdade, mas ativos, que atingem em cheio, e de forma devastadora, principalmente aquela população iletrada. São os contingentes oriundos do aprendizado informal, aquele traduzido nos fatos diários divulgados pelos jornais e por certos programas de rádio e televisão. É o ensino aspeado, que mascara insidiosamente a mensagem que penetra pelos poros, pelo ar, no ambiente doméstico, através das palavras sedutoras de ídolos que se exibem a distância, mas que a rigor não são vistos em suas privacidades, que não mostram seus valores morais. Entram em nossas casas mesmo sem convite. São simpáticos, belos, galantes, admiráveis, talentosos, quase semideuses, conquistando o público mesmo quando desempenham papéis maldosos. Aparecem nas revistas especializadas, expondo não raros bens valiosos, além de familiares, namorados ou namoradas, e amigos. Frequentam as telinhas das TVs, incorporando personagens que nos encantam, que nos emocionam, mas que se esvaem, ao fim do programa, deixando no ar, para nossa ansiedade, apenas as cenas capitais de um próximo capítulo. São heróis e/ou vilões da ficção, mas que marcam o telespectador no seu dia-a-dia como se fossem corpóreos. E se é verdade que, enquanto seres adultos e bem-formados, podemos distinguir a ficção da realidade, enquanto seres por completar, estamos sujeitos às mais perigosas mensagens desses heróis e/ou vilões, cujos conteúdos são claramente danosos, sobretudo à estruturação das crianças. Grande e legítima – quase sempre cômoda – é a cobrança que fazem os veículos de comunicação ao setor público e à rede privada pela deficiência do ensino.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

No entanto, esses veículos parecem esquecer o próprio potencial de eficácia para participar do esforço educacional, potencial que muitas vezes dirigem para o boicote arrasante ao penoso trabalho do educador. Também é cômodo, embora falacioso e até mesmo irresponsável, atribuir-se aos pais o poder de polícia na seleção de programas e horários aconselháveis a cada faixa etária. Como se a classe média, desdobrando-se, às vezes, em dois, três empregos, tivesse a disponibilidade de controlar, dia e noite, o que as crianças veem na TV… Ao longo dos últimos anos tenho afirmado, em artigos, que alguns desses programas estão arranhando a simetria moral do País. Basta que se mostre o exemplo de jovens atores e atrizes, alguns recém-saídos da puberdade, que confundem eles próprios fantasia com realismo, protagonizando tragédias, dramas e até comédias passionais, que só a ausência de parâmetros éticos, confiáveis e coerentes pode explicar. São atos e fatos estimulantes para aqueles que chamei de “seres por completar”. Atos e fatos que despertam nos adolescentes o desejo incontido de imitar os figurantes imaginários, isto é, de fazer o mesmo que eles, sem noção, por ignorância, por inexperiência, por deficiente formação doméstica e escolar, dos males que descarrega em si mesmo. Não desconheço que todos os meios de comunicação dispõem de quadros competentes para fazer reportagens de alto nível.

No caso das televisões, existem programas muito bem feitos, de interesse didático e científico, nas áreas do meio ambiente, da saúde, da informação agrícola, da tecnologia, entre outras. Cite-se o telejornalismo como um dos pontos exponenciais do que há de mais destacável nos nossos horários televisivos. E não tenho dúvida de que os líderes das grandes redes, os escritores e produtores das emissoras de rádio e TV têm talento e capacidade suficientes para redirecionar suas programações, para se tornarem poderosos instrumentos de revigoramento moral da infância e adolescência. Todos os profissionais envolvidos nas diversas etapas de produção de rádio e TV podem estar seguros de que qualquer iniciativa que venham a tomar nessa direção receberá aplausos. Sem contar com a satisfação pessoal que deve ser a consciência de assim contribuírem para a constituição ou o restabelecimento de valores básicos saudáveis para a família brasileira. De estar educando.

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