Dizer a verdade – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Há imperativos dos quais não se abre mão por razão alguma. Quando esses imperativos estão ausentes do cotidiano, perde-se o rumo, estabelece-se o caos. Diga a verdade, é um desses imperativos. Um imperativo moral imprescindível. Sua ausência em qualquer circunstância da vida é a perda do alicerce sustentador dos diálogos construtivos, do estabelecimento dos vínculos configuradores da especialidade no relacionamento, da promoção e preservação do bem.
Não dizer a verdade é a fonte grave das situações críticas na sociedade e cultura contemporâneas. Ora, a verdade é a medida de toda pessoa. Ainda que senhores e centro do universo, ninguém está acima de tudo, nem é dono ou árbitro da existência. Todos estão debaixo da verdade. É dela que a vida recebe seu sentido e seu valor. É a verdade que faz a vida, lhe dá sustento e a dirige. Sem a verdade, por exemplo, jamais se conquistará a liberdade. Não foi por outra razão que o mestre e senhor Jesus, instruindo os seus discípulos no caminho da conquista da liberdade, disse-lhes: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres” (Jo 8, 32). É pura ilusão querer conquistar a liberdade e outros tantos valores abrindo mão da verdade. Não há saída. É impossível. Há de ser uma convicção. Este horizonte incontestável faz saltar aos olhos lembranças de figuras íntegras de histórias familiares, e da memória imorredoura da vida social, política e eclesiástica. Como faz bem a lembrança dessas pessoas.


Na verdade, é mais do que uma simples lembrança factual. É uma lição de todo dia, permanentemente ministrada. O momento primeiro desta sinceridade, pela fidelidade à verdade, é a força geradora e matricial daquilo que os pais plantam no mais fundo do coração dos seus filhos e no mais recôndito de suas consciências. Assim também, os mestres nos seus discípulos, os pastores para com os seus rebanhos, os comandantes para seus comandados, governantes para com o seu povo. O amigo para com o amigo, de coração para cora. Nada é mais precioso do que este dom do amor à verdade, como fonte de toda inspiração, encontrada só em Deus, Ele mesmo a verdade; e também como adequação para não se viver de enganos, mentiras e subterfúgios que visam tão-somente à conquista dos próprios interesses, a sedução maligna e ilusória de se manter com as rédeas nas mãos, naquela horrorosa pretensão humana de se colocar por cima de tudo e de todos.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

O momento segundo e fonte inesgotável da fidelidade à verdade é a alimentação que dela vem, não permitindo que se escorregue, aqui e acolá, comprometendo a integridade pessoal e destruindo os caminhos de uma autêntica vida social e política. Como faz bem, e é tesouro inegociável, sem preço, ter tido um pai que jamais mentiu, enganou ou admitiu o menor gesto ou palavra que pudesse ser passível de consideração como atitude de passar os outros para trás; jamais a sonegação do que, em dados e informações, pudesse comprometer a busca permanente da verdade, a única conquista que não se pode apagar do horizonte da vida de todos os dias, em cada momento, diante de cada pessoa, seja ela quem for. Assim se constroem estas figuras imortais que não dizem para simplesmente agradar, adotando a demagogia como princípio; quando falam, com o que falam e como falam, edificam, no outro, uma sustentação que não vem de nenhum outro lugar; jamais escondem nada porque se deixam seduzir pelo gosto de uma vida límpida. Não vivem de justificativas do que são e nem do que ajuntaram. Esses merecem a credibilidade dos simples e dos nobres. Os simples são, na sua avaliação, um grande termômetro enquanto confiam, e os poderosos enquanto se deixam incomodar. Assim, os comprometimentos inúmeros das condições atuais nascem, incontestavelmente, do não recebimento referencial de matrizes como essas. O desvario de comportamentos se explica por essa ausência.

O gosto pela verdade fica diluído entre tantos, dando a outros tantos gostos o lugar insubstituível que a verdade tem, por aprendizagem matricial e pelo exercício diário que garante sua conquista e manutenção. Neste turbilhão de corrupções, afetando os andamentos da sociedade, da vida familiar, das relações interpessoais ou das instituições, há uma indicação fundamental, conhecida de todos, para recuperações e retomadas, garantindo os percursos para o coração da verdade. Há de se cultivar a sinceridade. Esta tem força de mudar culturas, reordenar vivências familiares, limpar as sujeiras das instituições e devolver, a cada pessoa, o gosto primeiro de toda hora, o dizer a verdade. Vale o conselho central da moral paulina: “Portanto, tendo vós todos rompido com a mentira, que cada um diga a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25). À sinceridade, a presidência da vida.

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