
No que restou da rua Aníbal Brandão, em Estrela, município do interior do Rio Grande do Sul, a professora Márcia Engster, de 55 anos, enfrenta a lama para avaliar os danos. Por décadas, seus pais economizaram para comprar terrenos férteis às margens do rio Taquari, uma herança valiosa que foi devastada pelas enchentes de abril e maio deste ano. A destruição causada pelo maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul fez “evaporar” o valor dessas terras.
“Dois anos atrás, meu pai vendeu uma parte das nossas terras. Foram avaliadas em R$ 1,7 milhão por hectare. No ano passado, depois das enchentes de setembro, valiam R$ 237 mil. Hoje, não têm valor nenhum”, disse Márcia à BBC News Brasil. Esse relato reflete um fenômeno generalizado no Vale do Taquari, onde o empobrecimento de milhares de famílias é palpável.
Impacto Econômico e Social
Antes das enchentes, o Vale do Taquari, composto por 36 municípios e 361 mil habitantes, era uma região próspera com bons indicadores econômicos e sociais. A maior cidade, Lajeado, tem um PIB per capita de R$ 65 mil, 85% acima da média nacional. No entanto, a geografia que proporcionou prosperidade também trouxe riscos, com chuvas volumosas fazendo o rio Taquari transbordar frequentemente.
As inundações causaram um impacto devastador. Estrela teve 75% de seu território submerso, e a região, que representa apenas 3% da população gaúcha, registrou 19,5% das mortes e 44% dos desaparecidos das enchentes de 2024.
Queda no Valor das Propriedades
Para muitos, a queda no valor das propriedades foi drástica. A vendedora Márcia Almeida, cuja casa foi destruída, relata: “Minha mãe tem 65 anos. Ela tem uma escritura de cinco terrenos no bairro Moinhos. Ela olha para a escritura e só chora porque aquilo não vale nada”. Terrenos que antes valiam R$ 300 mil ou R$ 400 mil agora não têm valor de mercado.
O economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Giovanni Baggio, aponta que a desvalorização imobiliária está ocorrendo rapidamente, e a perspectiva de novas enchentes pode levar à fuga de empresas e indústrias, resultando em um efeito dominó de empobrecimento.
Futuro Incerto
O professor Guilherme Garcia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que os impactos econômicos das inundações já são sentidos. “No campo, muitas famílias perderam a produção leiteira, de arroz, milho e outras culturas. Isso afeta diretamente a indústria de alimentos que é abastecida por essa produção.”
O futuro da região depende das medidas de reconstrução. O governo federal afirmou estar atuando para viabilizar recursos para o Estado, ultrapassando R$ 79 bilhões. “Se o trabalho de reconstrução for bem executado, o empobrecimento da região não deverá ser tão forte quanto em outras regiões”, diz Garcia.
Resiliência e Esperança
Apesar do cenário desolador, há sinais de resiliência. “O povo da região é muito resiliente”, afirma Garcia. Em muitos locais, a recuperação após as enchentes de setembro de 2023 foi tão bem feita que era impossível notar os danos.
O empresário Pedro Bonatto, que teve prejuízos significativos, não considera abandonar Lajeado. “No meu íntimo, eu não aceito (se mudar). Acho que dá para dar a volta por cima”, afirma. Seu sentimento é de gratidão e determinação em superar as adversidades.
Fonte: msn