

Tudo é passageiro, menos o motorista e o cobrador. Este aforismo de Neném Prancha, o melhor filósofo brasileiro, o filósofo do futebol-arte, é muito apropriado para o momento do 7×1 e do 3×0.
Neném não foi apenas o filósofo inventor da concepção do futebol-arte, do futebol-samba, do futebol-praia, do futebol-moleque, do futebol-Macunaíma. Foi e é o mais original filósofo que o Brasil pariu.
Nunca no Brasil ninguém filosofou com tanta profundidade e com tanto humor como este treinador das categorias de base do Botafogo, no início do século XX. Neném não estudou na academia, nem leu a tradição filosófica ocidental de segunda mão. Daí sua genialidade simples e emergida dos estratos populares marginais das praias do litoral atlântico brasileiro.
Sim, porque o Brasil é o melhor futebol do mundo não apenas por ter vencido o maior número de copas do mundo e de copas das confederações. Não. Nada disso. O Brasil é o melhor futebol do mundo porque inventou uma filosofia de jogo que uniu o samba no pé, o malabarismo circense da acrobacia com a laranja e a malemolência do gingado do candomblé e da capoeira.
No Brasil, futebol é arte e religião. É dança, música e circo. É sol, mar, rio, terra, areia, pedra e asfalto. É sal da terra. Como sempre, apenas a burocracia técnica e negocista não sabe isto. Ela nunca leu Neném Prancha. Nem jogou futebol. E odeia arte! O importante é o principal, o resto é secundário, filosofa Neném.
Este aforismo vai além do futebol: É ontologia pura. Filosofia da essência e da aparência. E com um humor que raramente encontramos nos aborrecidos filósofos ocidentais. É brasilidade.
Neném. Tem mais e melhor, Felipão. Presta atenção, professor Parreira. Leiam a filosofia do futebol-arte.
1 – Futebol é muito simples: quem tem a bola ataca, quem não tem defende.
2 – Jogue a bola para cima, enquanto ela estiver no alto não há perigo de gol.
3 – Jogador bom é que nem sorveteria: tem várias qualidades.
4 – Jogador de futebol tem que ir na bola com a mesma disposição com que vai num prato de comida. Com fome, para estraçalhar.
5 – Quem corre é a bola; senão, era só fazer um time de batedores de carteira…
6 – O goleiro é uma posição tão amaldiçoada que onde ele pisa nem nasce grama.
7 – O goleiro deve andar sempre com a bola, mesmo quando vai dormir. Se tiver mulher, dorme abraçado com as duas.
8 – O Didi joga bola como quem chupa laranja, com muito carinho. (Sobre Didi, meia do botafogo nos anos 60)
9 – Bola tem que ser rasteira porque o couro vem da vaca e a vaca gosta de grama.
10 – Pênalti é uma coisa tão importante, que quem devia bater é o presidente do clube.
11 – Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
12 – Futebol é uma caixinha de surpresas.

A Argentina foi longe demais. Futebol burocrático e triste. Como um conto de Jorge Luiz Borges. A Alemanha segue fiel a sua escola: futebol de conjunto, tático, ensaiado, sistemático. Como um ensaio de Kant, ou de Hegel ou de Marx. É belo. Mas igualmente triste, sem inventividade artística, sem ginga, sem drible. Um grande sistema filosófico sem estética.
O povo brasileiro, sincretismo de todos os continentes e civilizações, ainda não tem um projeto nacional. Ainda não é um grande país, sobretudo em Índice de Desenvolvimento Humano, digamos assim, para não falar de sub-capitalismo. Mas, apesar de tudo, é um país lindo, louco, generoso, fraterno, alegre, festivo, pacifista, acolhedor, charmoso e passional.
Somos errantes, mas não somos tristes. Somos imprevisíveis: escapamos a todos os cálculos racionais dos projetos. Era quase certo que seríamos humilhados em infraestrutura e campeões no futebol novamente. Aconteceu o inverso. Demos show de civilidade e fomos humilhados no campo.
Que país é este? É o país do filósofo Neném Prancha. Quem nunca o leu jamais entenderá o País do Futebol-Arte!
*José Ribamar Mitoso é Escritor, Dramaturgo, Professor da UFAM e colunista do www.correiodaamazonia.com.br