O espelho – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Caríssimos leitores e leitoras, tinha prometido não falar mais de política, nem atacar ou elogiar o nosso Presidente da República, porque cada um faz a sua análise de sua gestão como quiser, confesso que no presente artigo, chego até a achar que ele está certo conforme o livro que sugiro que leiam.


Dentre alguns livros que li nessa pandemia, destaco um que mesmo sendo releitura, mostra com clareza a alma, de dentro pra fora e de fora pra dentro. Se o amigo leitor ainda não leu, leia, é um dos melhores contos do nosso melhor escritor de todos os tempos. Se o fez, permita-me sugerir-lhe a releitura, que sempre vale a pena. Caso contrário, peco-lhe licença para despertar-lhe a curiosidade, e delicie-se com o que Machado de Assis chamou ironicamente de esboço de uma nova teoria da alma humana. É o caso de uma personagem de nome Jacobina que, aos vinte e cinco anos, fora nomeado alferes da guarda nacional. É bem de imaginar o acontecimento que o fato provocou.

Comemorações às pamparras. Marcolina, tia e madrinha, não abriu mão de recebê-lo e festejá-lo por uns dias em seu sítio, e fez questão de botar-lhe ao quarto um grande espelho para refletir o garbo do sobrinho, enfiado na farda reluzente. E todos, a começar pelos escravos, a homenageá-lo pelo título, a tal ponto e com tal intensidade que o alferes acabou por eliminar o homem. Por aí vai o curso da narrativa com o propósito de demonstrar que cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro… Quando se mantêm as duas equilibradas, tudo bem.

Articulam-se, entendem-se, alternam-se. Todavia, quando se desequilibram, adeus, é preciso afagar, alimentar, deixar brilhar, de preferência em público ou diante do espelho a que prevaleceu. É que a alma exterior, que leva a palma, se impõe de tal modo e com tanto domínio que ou se lhe dão asas ou a pessoa enlouquece. Uma das revistas de circulação nacional trouxe esta semana curiosa reportagem sobre Bolsonaro e a transformação a que foi submetido pelo seu marqueteiro, figura famosa nos arraiais da publicidade, cujo objetivo é mudar-lhe a imagem perante o eleitorado, na busca frenética dos votos preciosos para quem sabe? uma vitória de cara, sem perda de tempo, logo no primeiro turno.

Mais interessante é que o candidato, parece ter-se recusado, anteriormente, a cair na armadilha de um dos mitos mais cultivados na sociedade capitalista o marketing, rendendo-se à eficácia de seus mistérios. Estou, é claro, a conjeturar. Não conheço, sequer nunca vi de perto, o atual Presidente, posto que me desse desprazer a oportunidade de encontrá-lo pessoalmente, pois trata-se de personalidade fora da curva.

Fica-me a impressão de que sua recusa no passado em ceder à máquina do the making of a president, como apreciam dizer os americanos, se deu para preservar sua própria autenticidade e não iludir ninguém. Suposicão certa, admire-se-lhe a decisão. Não concedeu em passar um figurino que não veste, revelado, emblematicamente agora, na resplandecente dentadura que passou a exibir. Se o sacrifício ajudá-lo a ganhar as eleições, que se dê por bem-pago e seus eleitores por bem servidos. Não se abandone, porém, exclusivamente, à sua segunda alma a que vem do poder como o fizeram as almas exteriores de César e de Cromwell, conforme citação do romancista, enérgicas e exclusivas , que podem não fazer bem ao equilíbrio democrático, o que não admitimos, menos ainda o provável futuro presidente da Nação.

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