
A cultura racista e de preconceitos contra os negros no Brasil é imensa. É um absurdo e também contraditória: nunca se falou tanto em Deus Salvador como nos nossos dias; nunca se abriu tantas igrejas; jamais tivemos uma parcela da população com tamanha instrução superior; nunca tivemos uma população majoritária na classe média; informações científicas nunca foram tão esclarecedoras; jamais na história da humanidade se produziu tanta tecnologia usada para interação social. Porém, o crime de racismo e os preconceitos contra os povos negros só crescem.
Até na infância e no mundo de pobreza o tratamento aos brasileiros negros são sentidos. Quando criança, morador próximo de uma lixeira, eu tinha dezenas de crianças negras como coleguinhas, na hora da chegada do caminhão para despejar o lixo, presenciei que os operadores dos carros sempre entregavam os melhores descartáveis para os meninos (as) que não eram negros (as).
Cresci testemunhando vários casos de racismos contra negros: um menino que não podia usar penteado afro na escola; um estudante que teve que comprovar sua condição de discente numa abordagem policial dura e cheia de agressões verbais, num transporte coletivo; a negação de um trabalho intelectual e complexo para uma moça com curriculum acadêmico extraordinário; “chuvas” de pedras na casa do pai de santo quando ele começava o ritual da religião afrodescendente, dentre outros.
Entrei nas faculdades e não vi meus coleguinhas de infância nas salas de aulas, nem nos cursos de Ciências Sociais, de Letras, de Direito e nem nas pós-graduações. Era ainda mais raro um docente negro ministrando aulas nas instituições de ensino superior. Nesses ambientes, assisti intensos debates sobre a proposta de implantação de cota para estudantes negros nas universidades. Os defensores falavam que o Brasil tinha uma dívida social com eles e era preciso inclusão, que, a educação superior era a porta de entrada para isso, por outro lado, alguns defendiam que a lei devia ser para todos, independente de cor ou de raça.

É fato que o Brasil é um País de milhões de pobres. Porém, não podemos esquecer que dos 500 anos do País, 300 anos foram de escravidão negra, uma época em que um ser humano era apenas propriedade do outro. Recentemente, em São Paulo, um professor universitário foi xingado de “macaco” e esfaqueado num supermercado tão somente por ser negro. Lá, o agressor reproduziu o pensamento colonial e escravocrata de que lugar de negro é nas senzalas e fora do convívio social dos abastados. O professor afirmou num veículo de comunicação que “é muito cansativo atravessar sua humanidade tendo de provar que é humano”.
Todos somos Humanos. A grande riqueza da vida está justamente nas diversas culturas de homens e mulheres, suas origens, crenças e sentimentos. O racismo contra o negro ou contra qualquer outro povo, o preconceito e a política que alimenta o ódio não devem prosperar no mundo civilizado e no Brasil do século 21. Não podemos aceitar ou suportar que o racismo seja uma cultura institucionalizada e que mova sentimentos de pessoas e ações de governos.
Não devemos suportar ainda que governante seja aplaudido pelos mais ricos e pelos mais “escolarizados” por causa do seu ódio e pela sua incapacidade de entender a importância cultural, econômica e social dos negros, dos povos indígenas e das mulheres para a construção do Brasil. As instituições de Estado, os governantes e o povo devem uma profunda reflexão sobre o País que estamos construindo.
Carlos Santiago é sociólogo, analista político e advogado.