Os Unicórnios sobreviverão? – por Estevao Seccatto

Estevão Seccatto Rocha é professor de Turnaround na FIA Business School - Foto: Divulgação

Aileen Lee, fundadora do CowboyVC cunhou de “Unicórnios” empresas “mágicas e raras”, startups (usualmente sem longo histórico de resultados comprovados), com avaliações de mais de US$ 1,0 bilhão. De acordo com a CB Insights, existem hoje 764 Unicórnios no mundo, entre elas Decacórnios (avaliadas em mais de US$10 bilhões) e Hectocórnios (avaliadas em mais de US$100 bilhões), a maioria em setores de tecnologia (fintechs, softwares, IA e e-commerce).


A onda chegou por aqui em 2018, com a 99 tornando-se o primeiro Unicórnio brasileiro, seguido por mais 15 empresas:  Movile, PagSeguro, Nubank, Stone, Ifood, Loggi, Gympass, Quinto Andar, Ebanx, Wildlife, Loft, VTEX, Creditas, Hotmart e MadeiraMadeira. Recentemente o Nubank captou US$ 750 milhões, seu valor de mercado passou para US$30 bilhões, valendo quase metade do valor do Itaú (apesar de possuir carteira de credito equivalente a 1,5% da carteira do Itaú). Essa rodada teve como principal investidora a Berkshire Hathaway (US$ 500 milhões).

Com o aumento significativo na oferta de capital e fundos brigando por bons investimentos, em vez de startups competirem para atrair capital, os fundos passaram a competir para financiar startups, suportando fluxos de caixa negativos e oferecendo avaliações cada vez mais elevadas. Eu me pergunto se os cotistas destes fundos que alocam recursos nessas startups estão totalmente cientes dos riscos que seus gestores correm.

Será que análises fundamentalistas que comprovam a sustentabilidade das empresas, com premissas razoáveis e realistas, estão sendo consideradas antes da aquisição de participações (na maioria das vezes posições minoritárias, por centenas de milhões de dólares)? Alguns argumentam que tais avaliações são insustentáveis, são bolhas, com preços dos ativos baseados em visões implausíveis ou inconsistentes.

O frenesi dos investidores em relação a essas empresas está bem mais relacionado ao medo de ficar para trás (perder o bonde) do que em relação aos fundamentos em si. É como o bolão pra Megasena, você entra para, caso seus amigos ganhem, você ganhar junto e não ficar de fora. Só que neste caso, o bilhete custa bem mais caro. Bill Gurley (Forbes Midas List) disse que “investidores desesperadamente temerosos de perder a aquisição de posições acionárias em possíveis empresas ‘Unicórnio’, basicamente abandonaram sua análise de risco tradicional.”

As avaliações dessas empresas podem até se provar realistas no longo prazo, e não estou discutindo a qualidade das ideias, tecnologias disruptivas, capacidade dos gestores ou modelos de negócios. O que me pergunto é se isso é aposta ou investimento racional.

Se você investe num negócio esperando obter retorno apenas se outro investidor comprar sua participação, em rodadas subsequentes, com avaliações maiores, sem que o negócio em si te proporcione resultados dentro de um prazo razoável (fluxo de caixa livre para o acionista), na minha visão essa tese é especulativa e não baseada em criação de valor.

Unicórnios têm valores implícitos, baseados em rodadas de captações privadas, com diferentes classes de ações (as vezes cinco ou mais). Muitos investidores não percebem que algumas ações possuem garantias extras, como preferência em caso de liquidação, e isso muda totalmente a relação de risco e retorno. O fluxo de transações nesses Unicórnios é quase sempre o mesmo. Venda de participação dos fundadores para fundos de venture capital, em seguida para fundos de private equity (PEs) que, à medida que precisam dar liquidez aos seus investidores, buscam listar as empresas em bolsa.

Ocorre que muitos Unicórnios têm perdido valor ao tornarem-se empresas listadas, uma vez que suas avaliações passam a ser comparáveis a outras empresas do setor, por vezes passando a valerem menos do que as últimas rodadas privadas de captação, prejudicando a performance de fundos que apostaram nessas supervalorizações em detrimento à geração de caixa. Cada vez menos os mercados públicos estão “comprando” altas avaliações do mercado privado, fazendo com que os Unicórnios permaneçam privados por mais tempo, não por escolha, mas para evitar a realização do prejuízo pelos fundos.

Cito o emblemático caso do WeWork que em setembro de 2019 cancelou seu pedido já protocolado de IPO, pois o mercado não comprou a avaliação de US$ 50 bilhões, mesmo com o Softbank tendo entrado nesse patamar, uma vez que o modelo de negócios não parece ser sustentável, e queima US$ 700 milhões de caixa por trimestre. Faço um paralelo com algumas empresas que, mesmo possuindo estoques sucateados, não os vendem, mantendo um balanço patrimonial mais bonito, sem reconhecer as perdas.

As características comuns dessas startups são novos modelos de negócios ainda não comprovados (veja o caso da Yellow- Grin, com bicicletas e patinetes, que caiu no gosto dos brasileiros e meses depois simplesmente desapareceu do mercado, pedindo recuperação judicial e com ativos indo a leilão), receitas ainda incipientes, aquisição subsidiada de clientes, elevados investimentos em marketing e divulgação e geração negativa de caixa, suportada por rodadas e rodadas de aportes.

Apresento uma curta análise sobre alguns Unicórnios que morreram: Evernote (app de anotações cujo produto tornou-se obsoleto), Zynga (criadora da FarmVille, IPO valendo US$ 7,0 bilhões em 2011, liquidou os ativos em 2019 por US$ 600  milhões), Powa Technologies (e-commerce, US$3,5 bilhões captados em 2013 e pedido de falência em 2016, causado por má gestão financeira), Quibi (levantou US$ 1,0 bilhão em 2018, lançou seu streaming em 2020 e fechou meses depois por perda massiva de assinantes), Theranos (avaliada em US$ 10 bilhões em 2015, e executivos processados por fraude pela SEC em 2018, por enganarem os investidores com tecnologias não existentes).

Até onde se justificam as avaliações? Qual custo de reposição da tecnologia ou de construção do modelo de negócios por um concorrente, quando e se esse negócio se tornar viável?

Faz sentido subsidiar a criação de um modelo novo, investindo um caminhão de dinheiro para educar os consumidores sobre como utilizar uma nova tecnologia, e, quando finalmente o negócio estiver comprovado, custar 1/10 desse valor para montar outra empresa do zero (uma vez que o capital de giro para suportar anos sem geração de caixa não precisaria ser empregado)?

Por que o investidor então pagaria um “ágio” elevado para uma empresa que pode ser replicada? Existe a vantagem de ser o primeiro, sem dúvidas, mas, certamente surgirão o segundo, terceiro, quarto, o capital empregado provavelmente não será recuperado, e alguém vai pagar essa conta.

Quando falamos nos Unicórnios de hoje, olhamos as empresas que, até o momento, pelo menos do ponto de vista de avaliação (e não de performance), deram certo. Como serão tratadas essas empresas quando começarem a perder performance? Como se reestrutura uma startup? Simplesmente aciona-se o stop-loss e provisiona-se a perda, apostando que os 5% do portfólio (que poderão dar certo) vão compensar?

O que a maioria dos Unicórnios ainda precisa demonstrar é a capacidade de converter clientes em receitas, com margens positivas, gerando lucros operacionais que superem os fluxos de investimentos necessários para manter a inovação, a captação de clientes e o interesse do público. Ainda, que essa geração de caixa seja tal que amortize todo o investimento já realizado e proporcione um payback adequado ao risco tomado pelos investidores.

Existem hoje 13 mil startups e 16 Unicórnios no Brasil. Estou ansioso para ver como serão os próximos capítulos dessas empresas, quantos novos Unicórnios surgirão e quantos dos atuais terão sucesso nos próximos anos. Espero que todos! Para o bem dos acionistas, dos investidores, dos gestores de fundos e da sociedade em geral, pois a maioria dessas startups proporciona melhor experiência ao cliente final e inclusão social.

Estevão Seccatto Rocha é professor de Turnaround na FIA Business School. Engenheiro naval (Poli/USP), extensão em economia (Harvard), finanças e marketing (FEA/USP), tecnologia (Singularty University), mestrando (University of Liverpool). Foi head global de M&A da Atento (NYSE), reestruturador de empresas pela KPMG e IVIX , diretor da G4S (LSE) e associado no private equity Artesia. Assessorou mais de uma centena de empresas.

 

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