
Pouco menos de 3,4 mil quilômetros separam a avenida Faria Lima, a mina de ouro das startups, da cidade de Macapá, no extremo Norte do País. Onde o dinheiro dos investidores não chega, lá na última ponta de terra firme antes de o Oceano Atlântico assumir seu domínio, a maior bacia hidrográfica do mundo nutre a terra e a economia local. Pelas curvas e saliências do Rio Amazonas deslizam todo tipo de gente e carga que quer sair ou chegar aos estados do Amazonas, Amapá e Pará – um vaivém gerenciado por papel e caneta em um ofício transmitido de geração em geração.
Esse tradicional e hermético esquema de transporte seguia intocado até ser importunado por Geferson Oliveira, em 2018. Professor de ciências da computação, ele havia passado em um concurso público e precisaria fazer recorrentes viagens entre Manaus, onde morava, e uma cidade do interior do estado. Estranhou quando descobriu que não conseguiria comprar um bilhete de viagem pela internet.
“Tinha que ir ao porto e saber, diretamente com a embarcação, qual era a disponibilidade e o valor. Todo o sistema era 100% manual”, contou ao podcast Vale do Suplício. O pagamento ocorria em dinheiro – e o comprovante era um recibo em papel. Mas isso mudaria.
Antes de ser uma startup que levantou em torno de R$ 3 milhões em rodadas de investimento, a Navegam foi um Google Forms. Geferson levou à risca o conceito de Mínimo Produto Viável (MVP, da sigla em inglês) e subiu o link em uma página no Facebook. Por meio do questionário, coletava demandas de destinos. “Corria com essa informação para o centro da cidade e perguntava às agências: ‘cara, quanto tá essa passagem aqui?'”.
A lógica de negócio segue, apesar de o formato ser mais sofisticado: por meio de um site, a Navegam funciona como um Uber do transporte fluvial, comercializando uma parte das passagens dos mais variados tipos de embarcação que servem a região. “Com a minha tecnologia, aquela agência sai de cem para mil passagens vendidas por mês”, conta.
Potencial ignorado
Sozinho, o Rio Amazonas deu passagem a 34 milhões de toneladas de alimentos, materiais de construção e outros insumos em 2022, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Os portos do estado do Amazonas, por sua vez, movimentaram pouco menos de 809 mil passageiros em 2023, conforme a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados e Contratados do Estado do Amazonas (Arsepam).
Atendendo a apenas 10% do potencial de mercado de transporte fluvial na bacia que liga Amazonas, Amapá e Belém, a Navegam já movimentou mais de R$ 25 milhões em um ano e vendeu quase 150 mil passagens.
Os números são grandes, saltam aos olhos. Mas pequeno, ainda, é o interesse – e o conhecimento – dos investidores sobre o potencial de startups que fogem do eixo Sul-Sudeste e das grandes tendências tecnológicas.
Mais do que garantir um retorno sobre o investimento, na visão de Geferson falta um olhar sobre o impacto que startups como a Navegam geram na economia local. “Vamos ser bem transparentes? O investidor vai botar dinheiro para daqui a x anos receber um retorno 3, 4 vezes maior. Eles não conseguem entender o conceito realmente de impacto, o que uma tecnologia como a nossa gera de renda para determinada comunidade.”
O resultado não poderia ser outro: é mais fácil para startups como a de Geferson conseguirem investimentos de fundos estrangeiros, que têm visão de longo prazo e podem esperar até dez anos para receber seu retorno.
“Muita gente fala sobre a Amazônia sem ter pisado aqui no Amazonas. A gente tem um polo de tecnologia muito grande, exporta desenvolvedores. A gente tem capacidade. O que falta realmente é que venham recursos corretamente. O cara tem que tirar a bundinha da cadeira e vir pra cá andar de barco, entender como realmente funciona. Nossa economia é gigante.”
Se o Rio Amazonas, sozinho, corre sete milhões de quilômetros até desembocar no mar, sem nada pedir, não pode ser tão difícil para investidores vencerem 3,4 mil quilômetros rumo a encontrar um novo e pujante Brasil.
Adriele Marchesini é jornalista especializada em TI, negócios e Saúde e cofundadora da agência essense, que já apoiou mais de 100 empresas na construção de conteúdo narrativo e multiplataforma para negócios. Junto de Silvia Noara Paladino, criou o podcast Vale do Suplício, que traz histórias de empreendedores que falam pouco, mas fazem muito. Ouça no Spotify.