
“Será que estou exagerando?”
“Tem gente passando por coisa pior, né?”
“Devo estar ficando fraca…”
Essas são frases que escuto com frequência no consultório — e também nos corredores corporativos. Elas carregam um sentimento comum: a dúvida sobre a legitimidade do próprio sofrimento.
Vivemos em uma cultura que valoriza a força, a produtividade e a resistência acima de tudo. Falar sobre dor, medo, insegurança ou exaustão ainda é visto como fraqueza — principalmente para quem ocupa posições de liderança ou foi ensinado a “engolir o choro”.
O problema é que ignorar o sofrimento não o faz desaparecer. Só o torna mais silencioso — e mais perigoso.
O poder de nomear
A psicologia e a neurociência já comprovaram: nomear emoções ajuda a regular o sistema nervoso, reduz a ativação da amígdala (área do cérebro ligada ao medo) e ativa áreas do córtex pré-frontal, associadas à tomada de decisão e ao autocontrole.
Ou seja, colocar em palavras o que sentimos não é dramatização — é autocuidado. É uma forma de organizar internamente o que, de outro modo, nos paralisaria por dentro.
Sofrimento psicológico não tem “nível mínimo” para ser válido
Não é preciso ter um diagnóstico para se sentir sobrecarregado. Não é necessário estar “à beira de um surto” para buscar ajuda. Toda dor é legítima — e merece escuta.
Mulheres, por exemplo, tendem a questionar mais seus sentimentos, especialmente quando estão em ambientes que deslegitimam suas emoções com falas como:
• “Está de TPM?”
• “Você leva tudo pro lado pessoal.”
• “Não é pra tanto, né?”
Esse tipo de resposta, ainda que velado, reforça o silenciamento emocional e contribui para o adoecimento mental.
A dor silenciosa nos ambientes de trabalho
Pesquisas da Harvard Business Review mostram que cerca de 60% dos profissionais escondem sintomas de ansiedade ou esgotamento no trabalho, por medo de julgamento ou consequências negativas na carreira.
O resultado? Profissionais que:
• Se isolam para não demonstrar fragilidade
• Compensam o sofrimento com hiperprodutividade
• Desenvolvem sintomas físicos (gastrites, enxaquecas, dores musculares)
• Carregam um sentimento de inadequação crônico
A escuta como cura
No consultório, vejo o impacto transformador de uma escuta sem julgamento. Quando uma pessoa se sente validada, ela se reconecta com sua própria força. Isso é terapêutico, mas também pode (e deve) acontecer nos ambientes profissionais, familiares, afetivos.
Você já parou para pensar quantas vezes alguém ao seu redor quis desabafar, mas recuou por não se sentir seguro?
Ou quantas vezes você mesmo guardou o que sentia, por não querer “ser um problema”?
O que podemos fazer — hoje?
• Validar sentimentos, antes de analisar comportamentos
• Evitar comparar dores (“tem gente pior…”)
• Buscar escuta profissional quando as emoções parecerem pesadas demais
• Cultivar ambientes onde as pessoas possam falar sobre o que sentem sem medo
Reflexão final:
Você não está exagerando. Você está sentindo — e isso já é motivo suficiente para cuidar de si. O sofrimento não precisa atingir o limite para merecer atenção. Nomear é o primeiro passo para transformar.
*Luanna Cunha é Psicóloga Clínica e Organizacional