Carlos Henrique Machado Freitas: e o som primordial da MPB – por José Ribamar Mitoso

VALE DOS TAMBORES-CARLOS HENRIQUE MACHADO FREITAS. Ficha Técnica
VALE DOS TAMBORES-CARLOS HENRIQUE MACHADO FREITAS. Ficha Técnica

Eu não sei para você, leitor, mas, para mim, não existe crítica de arte. A arte já é a crítica. Afirmação de uma negação. Contudo, não perca seu tempo tentando entender o que eu escrevo. Não serve para nada. Não tem valor de commodities. Eu não perco meu tempo comigo, tentando entender o que escrevo. Tenho mais o que fazer… Nunca me encontrei. Se por acaso me encontrar por aí, por favor me apresente para mim. Agradeço antecipadamente.
Quando cursei filosofia, na Universidade Federal do Amazonas, mestre José Alves, meu professor de Estética, me convenceu que a crítica de arte era uma das tarefas do filósofo e eu acreditei. E também me perdi. Porém, na Pós-Graduação em Filosofia da Arte descobri uma verdade contrária: as ciências sociais nunca se aproximarão da verdade com o grau de precisão das ciências naturais.
O sujeito é o próprio objeto e isto faz com que a objetividade seja a própria subjetividade, quer dizer: a objetividade é quase anulada pelos valores, pelos amores, pelos sentimentos, pela ideologia e pelas intenções de quem pesquisa. Isto é: crítica de arte noves fora, nada. Podem existir estudos, comentários, aproximações, mas não há nenhuma cientificidade nas considerações sobre a arte.
Por isto, e desde logo, imploro para que não me leve a sério, considero todo ensaio pretensamente estético, pretensamente científico, pretensamente objetivo sobre arte, quando muito, uma mera crônica sentimental. Isto não significa abdicar de conceitos, de teorias e de um mínimo de objetividade, digamos, factual sobre o objeto artístico interpretado. Não. Nada disso. Muito pelo contrário.
Se não há arte sem sentimento, por que haveria crítica de arte sem paixão? O que eu afirmo é justamente que por tratar de um objeto cheio de paixão, o sujeito, que valora desliza do ensaio frio e, no fundo, sofismático, subjetivo, para uma crônica assumidamente sentimental e, portanto, objetiva.
Não sei se alguém concorda, mas estou escrevendo isto apenas para dizer que não posso jamais escrever sobre a obra artística de um irmãozinho querido, pretendendo organizar minha opinião na frieza de um ensaio. Assumindo que se trata de uma crônica sentimental, talvez as palavras se tornem mais emotivas e, deste modo, mais próximas da arte, mais próximas da natureza profunda do objeto, digamos assim.


Convidado para uma exposição dos seus trabalhos na Galeria de Arte do site, Carlos Henrique Machado Freitas (Baiano) nos recebeu com a generosidade própria.
Convidado para uma exposição dos seus trabalhos na Galeria de Arte do site, Carlos Henrique Machado Freitas (Baiano) nos recebeu com a generosidade própria.

Quando eu escutei Vale dos Tambores, talvez a criação musical resultante da mais enraizada pesquisa sobre as formas e os temas do conteúdo, descobri que, de fato, eu era um néscio musical, que havia estudado apenas as artes que entram pelos olhos, mas que nada disso me impedia de adorar o sentimento, que as construções melódicas despertavam em mim. Esta fruição estética, todavia, não foi influenciada pela minha amizade e pelo meu companheirismo com o compositor, arranjador, pesquisador e bandolinista Carlos Henrique Machado Freitas. Foi influenciada pela sua música.
Digo isto porque não sou carioca-fluminense de Volta Redonda, não conheço a cultura do Vale do Paraíba no sudeste brasileiro, não sou botafoguense… e somente depois de escutar na internet as músicas do Vale dos Tambores é que o visitei, em Volta Redonda, e ganhei dele próprio seu livro de partituras Choro Brasileiro quando, enfim, mais que fruir sua obra, pude compreendê-la.

Por Carlos Henrique Machado Freitas. termo gestão pública, no Brasil, passou a ser sinônimo de choque para atemorizar a sociedade.
Por Carlos Henrique Machado Freitas. termo gestão pública, no Brasil, passou a ser sinônimo de choque para atemorizar a sociedade.

Neste belo e original livro, com as partituras de suas composições, os ensaios críticos das pesquisadoras Aressa Rios e Celeste Silveira, que precedem as partituras, situam a música e a pesquisa histórica de Carlos Henrique no processo civilizatório brasileiro e deixam poucas margens para reflexões posteriores. Celeste Pereira trata da trajetória artística de Carlos Henrique e do significado do trabalho Vale dos Tambores. Ela ressalta que se trata de um álbum duplo, com trinta e quatro composições inéditas do autor, além de um livro que mostra a secular contribuição da música rural do Vale do Paraíba para a formação da música popular brasileira, especialmente o choro e o samba.
A Professora- Doutora Aressa Rios desvela esta cultura do Vale do Paraíba, especialmente seus cantos, seus ritmos e suas melodias, que muitas vezes embalam as danças e as manifestações coletivas da cultura popular brasileira da região. Ela nos revela que, para além da tradição milenar indígena Macro-Jê, a famosa região do café, no sudeste brasileiro, possui uma forte presença cultural de africanos escravizados e afro-descendentes, sobretudo de seus ritmos e de suas danças.
Melhor: revela que foi justamente no jongo, na catira, no calango, na folia de reis, na seresta, no lundu, no samba e no choro desta região que Carlos Henrique encontrou suas raízes culturais e sua inspiração musical.
Melhor ainda: revela que Carlos Henrique descobriu nesta identidade artístico-cultural o significado ontológico do toque do tambor, que ele considera o som primordial, ancestral e telúrico da música popular brasileira.
“Mais melhor bom” ainda: Aressa nos revela que esta ancestralidade rítmica, percussiva, repercute nas cordas no Bandolim de Carlos Henrique do mesmo modo que, acrescento eu, a batida básica do tamborim repercutiu nas cordas no violão de João Gilberto, embora ambos tenham originalidades distintas e significados culturais até mesmo antagônicos.
Creio que escutando a música e entendendo seu significado na pesquisa do autor, talvez eu possa compreender melhor o sentido estratégico e indispensável da presença artística de Carlos Henrique na história civilizatória da musica popular brasileira. Ele talvez seja uma das melhores materializações brasileira daquilo que Brecht define como o artista-filósofo: Aquele que combina criação artística com reflexão filosófica sobre sua própria arte e, portanto, sobre a arte de todos! Mesmo que o toque do tambor tenha entrado na música da Pindorama através dos povos indígenas, povos originários das civilizações asiáticas adaptadas na costa do litoral atlântico, a verdade é que a etnoarqueologia já provou que somos todos descendentes dos Ramapitecus e, portanto, mesmo como europeus ou asiáticos, somos todos africanos.
Contudo, em cada lugar, a cada adaptação do homo sapiens, a humanidade foi formando várias civilizações e várias identidades culturais. Não sei nem porque saí da estética e da música para estas considerações arqueológicas e antropológicas.
Havia dito no início que este texto seria uma crônica sentimental e não um ensaio para uma crítica de arte. Aliás, eu houvera dito, mudando a elegância do uso do tempo verbal para o pretérito mais que perfeito, que não existe crítica de arte, mas que ninguém deve levar a sério o que eu digo pois, eu nunca me encontrei.

Em mais de 30 anos de carreira, a obra de Carlos Henrique Machado Freitas é marcada por sua fidelidade ao choro. Depois de criar os grupos Cinco no Choro.
Em mais de 30 anos de carreira, a obra de Carlos Henrique Machado Freitas é marcada por sua fidelidade ao choro. Depois de criar os grupos Cinco no Choro.

Agora mesmo, estou aqui perdido nesta crônica sentimental sobre a importância estético-civilizatória da música do meu companheiro Carlos Henrique Machado Freitas sem saber como concluir este texto. Talvez eu possa concluir me reencontrando com ele, com sua música e com suas origens em uma nova visita ao Vale do Paraíba e à Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Ou mesmo com a dedicatória com a qual me presenteou seu livro de partituras Choro Brasileiro: com um afetuoso abraço!
Não sei o porquê mas ao escutar a música Lenda do Timburibá, lembrei de Riba, lembrei de Ribamar e achei melhor terminar esta crônica sentimental assim. Me achei!!!…

*José Ribamar Mitoso Escritor, Dramaturgo, Professor da UFAM e Colunista do Correio da Amazônia aos Domingos.

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