Os rebeldes das Farc e o governo da Colômbia alcançaram um histórico acordo final de paz para acabar com uma luta de meio século que deixou milhares de vítimas – anunciaram os negociadores, nesta quarta-feira (24), ao fim de quase quatro anos de diálogos em Cuba.
Para o presidente Juan Manuel Santos, começa o fim “da tragédia da guerra” na Colômbia.
“Hoje, começa o fim do sofrimento, da dor e da tragédia da guerra”, celebrou Santos, em pronunciamento transmitido em rede nacional, diretamente da Casa de Nariño.
As difíceis discussões que Havana sediou chegaram a um final feliz com a assinatura de um acordo de seis pontos substanciais que, para se tornar eficaz, deverá ser aprovado em um plebiscito marcado para 2 de outubro.
Apenas depois do plebiscito, o Congresso poderá aprovar as leis e reformas necessárias para consolidar o acordo.
“Concordamos em assinar o presente acordo final para o término do conflito e para a construção de uma paz estável e duradoura, cuja execução porá fim de forma definitiva a um conflito armado de mais de 50 anos”, diz o comunicado conjunto, lido em Havana pelos avalistas de Cuba e Noruega.
O pacto prevê essencialmente que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) deponham os fuzis e se tornem um partido político.
De acordo com Santos, os antigos membros das Farc – já sem armas – terão representantes sem direito a voto no Congresso “para discutir exclusivamente a implementação dos acordos até 2018”, ano das próximas eleições.
“A partir deste momento participarão de eleições com uma representação mínima assegurada por dois períodos”, mesmo que não consigam os votos suficientes para integrar o Congresso de 268 legisladores.
O acordo com a maior guerrilha da Colômbia, em armas desde 1964, permitirá superar em grande parte um enfrentamento que deixou 260.000 mortos, quase sete milhões de deslocados e 45.000 desaparecidos.
O pacto de Havana prevê compromissos para solucionar o problema agrário, o qual deu origem ao levante das Farc, assim como para enfrentar a questão do narcotráfico, combustível da violência.
Também acordaram um cessar-fogo bilateral e definitivo, fórmulas de Justiça e reparação das vítimas e a participação na política dos futuros ex-combatentes. Segundo o presidente, as Farc terão uma participação mínima assegurada no Congresso.
Espera-se que as Farc iniciem seu desarmamento em um prazo de seis meses contados a partir de sua concentração em 23 zonas e oito acampamentos na Colômbia.
Observadores desarmados da ONU e delegados das Farc e o governo verificarão o processo de deposição das armas, com as quais serão erguidos três monumentos.
O processo de Havana é o primeiro dos quatro tentados com as Farc a ponto de se concretizar. As iniciativas empreendidas em 1984, 1991 e 1999 já haviam fracassado.
Ainda não se anunciou uma data para a assinatura do acordo por parte do presidente Juan Manuel Santos e do líder máximo da guerrilha, Timoleón Jiménez, o “Timochenko”.
Depois de Havana
Na última semana, as equipes negociadoras das Farc e do governo trabalharam de forma ininterrupta para terminar o acordo.
Os assuntos que ainda estavam sendo discutidos eram o alcance da anistia para as Farc (que exclui os responsáveis por crimes como sequestro e violência sexual) e a participação política dos rebeldes.
Para preparar a convocação do plebiscito, o governo Santos precisava ter a negociação formalmente concluída, enquanto a guerrilha, com o texto nas mãos, realizará uma última reunião de comandantes com a tropa na Colômbia, dando o passo definitivo até seu desarme e transformação em partido político.
O pacto de Havana prevê acordos e compromissos no problema agrário que deu origem às Farc e ao tráfico. As partes também concordaram em maneiras para reparar as vítimas, para decidir a participação política dos futuros ex-combatentes da guerrilha e o cessar-fogo bilateral e definitivo.
Por último, acertaram que os acordos sejam referendados via plebiscito. Um setor influente na Colômbia, liderado pelo ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), opõe-se firmemente às decisões tomadas em Havana por considerar que crimes das Farc ficarão sem punição.
O compromisso alcançado em Cuba estabelece que quem confessar seus crimes diante de um tribunal especial poderá evitar a prisão e receber penas alternativas. Se não for feito dessa forma e se forem declarados culpados, serão condenados a penas de 8 a 20 anos de prisão.
O acordo prevê ainda um sistema de segurança que evite represálias contra os ex-integrantes das Farc, como os crimes em massa contra dirigentes, militantes e simpatizantes do grupo de esquerda União Patriótica, no final dos anos 80.
Além das Farc e dos agentes do Estado, o conflito colombiano envolveu outros grupos rebeldes, paramilitares de extrema direita e narcotraficantes.
O pacto firmado nesta quarta-feira prevê a substituição dos cultivos de coca nas zonas de influência das Farc, com o compromisso da organização comunista de se desvincular da produção de drogas.
O governo se compromete a dar maior acesso a terras, créditos e serviços básicos nas zonas rurais abaladas pelo violência, o que exigirá investimentos bilionários a longo prazo.
O conflito envolvendo as Farc estava suspenso, na prática, desde julho de 2015, quando o grupo rebelde suspendeu unilateralmente suas ações, levando o governo a interromper seus bombardeios aéreos, meses mais tarde.
Acordo histórico
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, cumprimentou seu colega Juan Manuel Santos por obter este “histórico” acordo de paz com a guerrilha.
Obama conversou por telefone com Santos para “felicitá-lo” por este histórico dia com uma conjuntura-chave, no que será um longo processo para implementar completamente um acordo justo e duradouro, que pode prover segurança e prosperidade ao povo colombiano”.
Os Estados Unidos “estão orgulhosos de ter acompanhado a Colômbia em sua busca pela paz”.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, também qualificou de “passo histórico” o acordo firmado com a guerrilha.
“Trata-se de um passo histórico em direção à construção de uma paz estável e duradoura” na Colômbia.
Almagro recordou que através da Missão de Apoio ao Processo de Paz (MAPP), a OEA teve presença, por mais de uma década, nos territórios afetados pelo conflito interno, e seguirá tendo um papel a desempenhar no pós-conflito.
“O governo da Colômbia nos pediu para apoiar a etapa do pós-conflito através de uma série de ações de monitoramento e acompanhamento nos territórios”.
(ZH)