Documentário mostra o cotidiano dos manguezais da Amazônia

Foto: Reprodução

De que forma tradições culturais, práticas produtivas e condições sociais influenciam a conservação e o uso sustentável dos mangues amazônicos? Como essas populações se mobilizam para oportunidades no convívio com a natureza? A imersão no universo das comunidades extrativistas que obtêm o sustento na pesca, captura de caranguejo-uçá e retirada de madeira marca o documentário “Manguezal: Maretório Feito de Nós”, em fase final de produção pela Marahu Filmes, de Belém. São paisagens únicas, vozes locais, histórias de vida e contribuições da ciência que ilustram a busca por transformações socioambientais no coração da maior faixa desse ecossistema no planeta, na zona costeira do Pará.


Com direção e roteiro de Felipe Cortez, o filme mergulha na experiência do Projeto Mangues da Amazônia, voltado a ações ambientais e socioeducativas junto a comunidades de reservas extrativistas e entorno, nos municípios paraenses de Bragança, Augusto Correa e Tracuateua. Realizada pelo Instituto Peabiru e Associação Sarambuí, com patrocínio da Petrobras, a iniciativa reúne múltiplas atividades que interagem com a realidade e os desafios dessas áreas, com produção de conhecimento e impactos positivos ao longo de dois anos, registrados em cores, formas e falas pelo documentário.

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Com lançamento previsto para 9 de dezembro no Liceu da Música de Bragança, o filme apresenta em 40 minutos a história do projeto e seus resultados, com o viés humano, científico e cultural das interações em campo, envolvendo moradores, pescadores, pesquisadores, professores, lideranças locais, voluntários e outros personagens. A exibição fará parte de um circuito de eventos de encerramento do Mangues da Amazônia que inclui atrações de música, dança, poesia e cinema.

“A principal mensagem é a valorização e reconhecimento do manguezal pela riqueza de conhecimento e recursos naturais e culturais”, afirma Felipe Cortez. Segundo o documentarista e jornalista, para além da beleza estética desse ecossistema, o diferencial está em mostrar o cotidiano da vida e a relação entre os personagens que fizeram o projeto acontecer, com os desafios e os legados não só ambientais, como também sociais e culturais.

Do cultivo de mudas e restauração de áreas degradadas de manguezais às pesquisas para subsidiar regras de manejo do caranguejo-uçá, as atividades abrangeram mobilização para limpeza das praias e rodas de conversa sobre temas de importância local, como a questão de gênero e a garantia de direitos. Entre as frentes de trabalho do projeto Mangues da Amazônia documentadas pelo filme, estão pesquisas que servem de base à exploração do potencial dessas áreas no mercado climático, devido à alta capacidade de estocar carbono, com renda para as comunidades.

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Com apoio do Laboratório de Ecologia de Manguezal (LAMA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), as ações como um todo beneficiam direta e indiretamente cerca de 6 mil pessoas na região – entre as quais, comunidades tradicionais guardiãs desse ecossistema, conservado como meio de subsistência e práticas culturais. Como destaque, foram desenvolvidas ações educativas junto a crianças e jovens de diferentes faixas etárias – iniciativa de sensibilização visando o uso sustentável da natureza, com personagens de papel protagonista no documentário.

Contar essa história com uma narrativa humanizada representa um momento especial na trajetória profissional de Cortez, documentarista que tem no portfólio produções como “Ser Circular é Tocar o Coração da Cidade” (2020), “Iracema e o Brinquedo de Voar” (2021) e “Florestas Comunitárias” (2022). Desde 2015, realiza o Programa Circuito, voltado ao jornalismo cultural na Amazônia, na TV Cultura do Pará. “Entre surpresas e aprendizados nos mangues amazônicos, foi muito especial mostrar a emoção das pessoas diante de uma rara oportunidade de educação e renda”, ressalta o diretor, com planos de inserir o filme no circuito de festivais internacionais de cinema.

Após viagens preparatórias de pesquisas nas três localidades da filmagem no Pará, a produção do roteiro priorizou aspectos que combinam a realidade da vida nas reservas extrativistas, as expectativas das famílias e as atividades do Mangues da Amazônia, com destaque para o casamento entre o conhecimento científico e o tradicional das comunidades. “Registramos como foi esse processo de troca, com a descoberta de novas demandas locais abraçadas pelo projeto”, revela Cortez.

Nas filmagens, realizadas em setembro e outubro, a equipe conviveu com dura realidade da captura de caranguejos, como os ataques das mutucas – vorazes insetos repelidos pelos coletores com a fumaça de cigarros ou, em alguns casos, até com óleo combustível espalhado no corpo. “Todo esse esforço precisa valorizado por quem consome caranguejo nas cidades”, defende o documentarista.

A dificuldade de logística em áreas inóspitas, comum no cotidiano dos caranguejeiros, também marcou o trabalho das equipes de biólogos e outros pesquisadores do Mangues da Amazônia, como retratado no filme. Segundo Cortez, “se fazer projetos na Amazônia é difícil, filmar é mais complexo ainda e exigiu criar estratégias de deslocamento por esses espaços, com lama na cintura, de forma a chegar com a câmera nos lugares mais adequados, no momento certo”.

A narrativa do documentário contribui para dar visibilidade a essas áreas, destacando o ativo dos saberes locais, para além do valor biológico e econômico dos recursos naturais. O trabalho fortaleceu o conceito de “maretório”, palavra que o documentário carrega no nome em alusão aos territórios influenciados pela maré nas zonas costeiras. “São espaços de luta por direitos e identidade muito forte”, observa Cortez.

Na visão de Fernando Segtowick, à frente da Marahu Filmes, o documentário se integra ao desafio de “mudar o estereótipo do extrativista como coitadinho, valorizando a potência e sabedoria dos homens e mulheres da Amazonia”. A produtora audiovisual baseada em Belém desenvolve projetos sobre a Amazônia para o mundo, como o longa-metragem documental “O Reflexo do Lago”, com estreia mundial no Festival de Cinema de Berlim. Em 2020, Segtowick lançou a série “Sabores da Floresta” sobre gastronomia amazônica, com o chef Thiago Castanho, exibido no Canal Futura, e atualmente produz telefilmes para os canais Arte1, TV Brasil e Travel Box Brasil.

Documentar os manguezais amazônicos e sua complexidade deu novas luzes à experiência nas temáticas da região. “Devemos olhar para esses territórios não apenas pelo aspecto dos recursos naturais, mas das pessoas que vivem lá”, aponta o produtor, ao defender uma maior humanização da narrativa sobre a região. Ele conclui: “é preciso fazer diferente e romper o paradigma do processo histórico, com histórias contadas pelos próprios amazônicas – não vindas de fora”.

 

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