Doutoramento em bandalheira – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Como professor passando décadas dentro de sala de aula, sendo paraninfo de turma, nome de turma, dando aula da saudade, venho com a devida vênia dos meus sofridos e heroicos concidadãos, esperando que esta mal alinhada carta não os encontre nas mesmas dúvidas e sobressaltos que me afligem ultimamente. Efetivamente, há algum tempo venho constatando, através de pesquisas cuidadosas (e observações cotidianas), além de estudos minuciosos e compilação rigorosa dos fatos científicos, que o Brasil vem adquirindo um acervo tecnológico dos mais avançados em corrupção, bandalheira e incompetência. Na realidade, o estágio alcançado configura pós-graduação em nível de doutoramento, fruto do ingente esforço de um grupo bem selecionado de especialistas. Entretanto, a referida atroz dúvida se divide em duas semidúvidas: a primeira, como deve reagir o meu exacerbado sentimento nacionalista, ante tão brilhante e reconhecido acervo. A segunda, não menos angustiante, é que os ilustres e impertéritos diplomados não são chamados para receber os respectivos pergaminhos ou, ao menos, nominados para as famosas embora desacreditadas, devidas providências. Hão de concordar comigo os caros compatriotas, no mínimo esses que ainda têm vergonha na cara e moral para se encarar de frente no espelho, que a diplomação dessa gente é tarefa urgente. Quando não para satisfazer a elementares exigências legais, ao menos como respeito aos, sistematicamente, esbulhados patrícios, cujos impostos, taxas, tributos e demais emolumentos vêm sustentando a alta especialização dos bandalhos.


Talvez o cidadão comum, esse Dom Quixote do dia-a-dia, do aperto orçamentário, da insegurança incorporada ao cotidiano, enfim, do trágico balé da sobrevivência, não se tenha inteirado dos detalhes das doutas teses, surgidas dessa evoluída pós-graduação. Seria pretensão de minha parte, simples mortal da rotina diária, professor de muitas gerações e profissional do tipo retilíneo, desses que insistentemente lembram a seus alunos a existência de um conceito fundamental chamado ética, recomendar o manuseio e a análise de tais teses. Entretanto, como esta desalinhada missiva é aberta parece-me altamente conveniente colaborar para o aprimoramento dos conhecimentos gerais, sugerindo a leitura de edificantes contribuições técnico-científicas, a exemplo dos bancos e financeiras falidos fraudulentamente, das obras faraônicas inacabadas, das negociatas e desvios do dinheiro público, das construções superfaturadas, das concorrências dirigidas, da alienação do patrimônio público, da propaganda enganosa e da mentira sistemática. Isso tudo, além do rendoso e promissor tráfico de drogas, a cujo crédito deve-se a destruição e morte de milhares de jovens e tem como prêmio a proteção corporativista e a impunidade.

Sem dúvida, as lições daí advindas são indiscutivelmente proveitosas, mesmo que seja para refutar algumas maldosas calúnias e eventuais fofocas, quem sabe frutos até da intriga do povão contra tão ínclitos varões. Fossem outros os temos, seria o caso de pensar na ação de “solertes comunistas” (uma expressão ridícula na atual conjuntura), tal é a extensão do falatório reinante por aí. afinal, há de concordar comigo o paciente leitor que essa história de bancos suíços, ou de paraísos fiscais, pode ser bisbilhotice de desocupados, tanto quanto os demais cochichos que pairam nos ares. Por sua vez, teses de somenos importância, como o achatamento salarial, o arrocho dos empresários, a violência urbana, o desemprego endêmico e epidêmico, prestações e juros escorchantes, ficam a cargo de “nós o povo”, desde que só rendem sufocos, úlceras e enfartes. Enfim, para encerrar esta epístola e, assim, abreviar o tédio de quem teve a pachorra de lê-la até aqui, tenho a convicção de que o inverno de nossa desesperança (com o perdão de Steinbeck), não será longo demais. Há, neste querido Brasil, instituições em que você e eu temos de acreditar, pelo inegável papel histórico que representam. Há inúmeros outros varões, com dignidade, senso de responsabilidade, boa vontade e desejo de lutar contra uma situação que envergonha, deprime e degrada uma pátria que desejamos nobre, altiva e independente.

No mais, sem piada, formulo meu desejo de saúde e prosperidade aos irmãos, fazendo sinceros votos que aquele triste acervo seja metamorfoseado em trabalho sério e honesto, no trato do suado e surrado dinheiro público.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.
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