Infiéis – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Os parlamentares brasileiros que, semelhantes aos símios, pulam de partido em partido, cometem estelionato eleitoral protegidos pela lei, sempre que não tenham sido eleitos exclusivamente com votos próprios.


Todos aqueles que, para poderem conquistar uma cadeira na Casa Legislativa à qual concorreram, tiveram necessidade de suprir a sua insuficiência de votos com os votos do partido e depois levam-nos para uma outra agremiação partidária – não da preferência dos que no partido votaram – desonram a democracia, traem a vontade dos eleitores, desfiguram a representação popular e dão a dolorosa impressão de que o que menos importa é o povo e a única coisa que vale é sua ambição pelo poder.

A meu ver, não representam a vontade popular e deveriam ser banidos da vida política nacional.

Quem não sabe ser fiel ao partido que o elegeu, e quem surrupia os votos do partido – que não foram depositados na pessoa do candidato, mas em outros – apropriando-se infielmente do que não lhe pertence, pode não ser punido pela lei, mas deveria ser punido pela sociedade.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

Coloca-se questão, portanto, de legitimidade e não de legalidade. Os próprios parlamentares é que elaboraram o direito à infidelidade e ao esbulho eleitoral, desvirtuando a democracia e tornando os partidos meros depositários infiéis de votos e conglomerados de ambições eleitorais e não de ideais democráticos.

Para moralizar a democracia, urge uma reforma política. Uma reforma em que os ideais de um partido representem os ideais de parcela da população e não os anseios mesquinhos daqueles que o instrumentalizam para a conquista do poder pelo poder.

Para isto a infidelidade partidária deveria ser punida como a infidelidade ao mandato profissional. Se um advogado for infiel a seu cliente e bandear-se para a parte contrária, será punido pela OAB. É que os mandatos profissionais, como os eleitorais, fundam-se na confiança e a confiança não pode ser maculada, sem que reste ferida a dignidade da própria profissão ou representação popular.

Creio que, enquanto não houver fidelidade partidária consagrada em lei elaborada – e para mim, em nível constitucional, ou seja, lei suprema – no interesse do povo e não “pro domo sua”, ou seja, no exclusivo interesse dos que a elaboram, não haverá partidos no Brasil.

Sem fidelidade, a democracia é um arremedo da vontade popular, pisoteada sempre que um parlamentar “apropria-se” de votos sem tê-los merecido (vale dizer, daqueles votos que pertencem ao partido) para carregá-los, com o mais despudorado e mesquinho intuito, para outra legenda.

Enquanto não houver fidelidade partidária, as siglas partidárias não se distinguirão umas das outras – algumas, inclusive, muito semelhantes, em sua grafia, àquelas que definem bandos inimigos da sociedade. Dir-se-á que os parlamentares não são culpados, que apenas usam de um direito, nada fazendo de ilegal.

Que nada fazem de ilegal, estou convencido. Hart, o grande jus filósofo inglês, já dizia que as leis são feitas para os governantes e para os governados, mas, como são feitas pelos governantes, sempre beneficiam mais os governantes do que os governados (The Concept of Law – Ed. Clarendon, 1961).

Este artigo não pretende atingir nenhum parlamentar em especial, mas um sistema carcomido, propiciador de um “ilegítimo turismo partidário” que enxovalha, por “apropriação infiel”, todos os eleitores traídos, que não votaram no trânsfuga parlamentar, mas que o auxiliaram a praticar um estelionato eleitoral não punido pela lei. Que por uma questão de cidadania, o povo exija uma reforma eleitoral em que tal aética forma de fazer política seja banida e não mais macule a dignidade nacional.

 

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