Nos bares e na vida (Por Paulo Figueiredo)

Advogado Paulo Figueiredo(AM)

Jaguar, fundador e cartunista do jornal “O Pasquim”, a resistência bem-humorada contra a ditadura, escreveu “Confesso que Bebi”, um passeio pelos bares e pela boemia do Rio de Janeiro. A relação é enorme. Muitos deles frequentei e poucos sobreviveram. Como tudo na vida, os bares também nascem, crescem e morrem. Alguns logo não dão certo e falecem no berço.
Tenho cruzado com Jaguar em Itaipava, centro gastronômico do Rio, um lugar encantador para o recolhimento em paz, longe do trânsito infernal e da violência dos grandes centros urbanos, numa fase em que os anos avançam céleres sobre a existência. Vejo-o com a indefectível garrafa de cerveja sobre a mesa, agora sem álcool, uma tragédia, para quem passou pelo mundo sob permanentes eflúvios etílicos, que tornam a existência mais gostosa e amena, suportável. Não encontro a menor graça nas cervejas sem álcool, uma ideia no mínimo esquisita, pois a vantagem vem do efeito e não apenas do gosto. Trata-se de um autoengano, talvez com alguma compensação psicológica, no que não creio, embora não deva dizer que dessa cerveja jamais beberei. Muitos cariocas estão subindo a serra, em fuga contra o desconforto crescente na metrópole.


As cidades contam a nossa história pessoal e a dos nossos contemporâneos, com seu casario, ruas, praças, esquinas, clubes, cinemas, livrarias, bares e restaurantes. Vivemos nos espaços que a vida nos confere, desde o momento em que abrimos os olhos até o derradeiro instante, e vamos acumulando alegrias e dissabores, conquistas e derrotas. Faz parte, é assim, será sempre assim. Com o tempo, a memória valoriza os caminhos, enternece as andanças e acalenta momentos que pareciam perdidos ou sepultados. Passamos a identificar cada ponto pretérito com incrível lucidez e seguimos em frente com as dores da incerteza sobre o final da estrada. Para uns, no horizonte, o conforto e a recompensa do paraíso; para outros, o fim de tudo, o mergulho definitivo no nada, no vazio absoluto, uma angústia insuperável.

Há quem pretenda, suprema arrogância, os louros da imortalidade. Quanta tolice, como dizia Fernando Pessoa, gênio maior de expressão lusitana depois de Camões, ou de seu nível, quem será capaz de assegurar a subsistência da língua e da espécie, nesse ínfimo grão de areia chamado Terra, perdido no infinito. Mas, como no reino das futilidades reservadas ao olvido inexorável, pretensão e água benta cada um toma na dose que bem quer, na medida que convém ou conforta o espírito, tudo deve ser perdoado, mesmo a insolência típica da imodéstia levada às últimas consequências.

Referências sagradas para a nossa geração, com as progressivas transformações urbanas, vão desaparecendo. Submergem lugares que julgávamos eternos e atos e fatos vividos perdem-se no esquecimento da destruição. Há um reordenamento constante de valores e paisagens. Incomoda, é bem verdade, mas é impossível de ser controlado ou detido. Sintoma dos mais evidentes do envelhecimento é a constatação da fatuidade das coisas e dos acontecimentos que se sucedem de forma vertiginosa.

Em nossa cidade, como seus amantes irrenunciáveis, quantos e quantos espaços que nos eram tão caros não sucumbiram para dar lugar ao novo rosto que Manaus ganhou e vem ganhando com a explosão de seus sítios interiores? Hoje, não encontramos mais os cheiros e sabores do nosso tempo, nem no coração antigo da urbe, que palmilhamos durante os nossos melhores anos, em suas ruelas, avenidas e prédios ce

Tudo foi sendo desfigurado, tragado pelo tempo. Perdemos o ‘footing’ na Praça da Polícia e na Eduardo Ribeiro, onde o amor tornava-se possível e muitas vezes pleno. Quem não conserva na memória o gosto do caramujo e dos refrescos sifonados da Confeitaria Avenida. E as reuniões em frente à Pensão Maranhense, com o fim de tarde no Bar Avenida, do italiano Meneguini. E as cervejinhas (‘véu de noiva’) e os uisquinhos, nas dezenas de bares da cidade, os bares da nossa vida, uma sucessão interminável de nomes que não caberia neste espaço. Bem, mas não há como deixar de registrar o jogo de sinuca e bilhar do Café da Paz, com suas ‘batidas’ de limão e maracujá, como preliminares das noites e madrugadas no Acapulco e nas boates dos clubes de nossa juventude. Impossível não degustar na memória o sanduíche de pernil do velho Messias, servido com um molho mágico e de sabor inconfundível, no Castelo de Bronze, com suas mesas de tampo de mármore e pés de ferro fundido. No entorno do Colégio Estadual, o Normal e o Ponto Chic, enquanto na manhã seguinte curávamos a ressaca, com o milagroso hidrolitol, servido pelo velho Pina, em seu famoso e tradicional café. Em incursões por bairros mais distantes, chegávamos em Educandos, no Jupati e São Domingos, ou na Cachoeirinha, no Gato Negro, com histórias curiosas e inesquecíveis.

Tínhamos também a redenção nos bordéis, numa época de princípios rigorosos, que tolhiam o amor com proibições permanentes. E quueem da nossa geração neles não esteve uma noite? Um elenco rico de experiências para a vida, que flui inquieta com a rapidez de um meteoro.(Paulo Figueiredo – advogado, escritor e comentarista político – [email protected] )

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