Outros devaneios – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Eu não me conformo com a humanidade insana, irresponsável e neurótica. Uns querendo engolir os outros. Só interesses pessoais, só vem a nós; ao vosso reino, nada. Os pobres esmagados pela ambição desmedida dos insensíveis, insensatos e insaciáveis. Guerras burras, golpes cretinos, a humanidade estarrecida com tanta brutalidade. As criaturas indo para o trabalho e voltando para casa, indo ao cinema, ao teatro, inseguras e medrosas. Nenhuma reação dos pisados, dos massacrados. Só dor. Dor muda e impotente. Me sinto as vezes estranho no meio daquele bando de gente pacata e medrosa. E, sozinho, sei que não posso fazer nada, além de chorar. Penso no meu país, tão lindo, tão futuroso, cheio de riquezas minerais, vegetais e animais.


Tanto céu azul, tanto sol, clima excelente, verão quase o ano todo, um inverno leve, suportável, rios, ribeirões e ribeirinhas, muito ouro, muita pedra preciosa, sem terremotos, vulcões, nenhuma tromba d’água, nem tufões. Mas, sem felicidade, também.

Desempregos, assassinatos, sequestros, misérias mil. Toneladas e mais toneladas do ouro e das pedras preciosas, sendo roubadas. A nossa madeira, idem. E o nosso país pagando dívida sem parar. A desigualdade social, cada vez mais desigual. Fico as vezes no maior enjoo da realidade. Em busca de um intervalo na lucidez, fui visitar um hospital de velhinhos. Segui o avental branco no corredor aceso e esticado como a luz de um farol.

Sempre supus que algum lugar me coubesse e me dispensasse a lucidez. Ali eu me senti útil, distribuindo sorriso, carinho e amor para aquela gente tão sofrida, tão desamparada. Dali, da janela, eu olhava o mundo lá fora sem ser visto, sem ser pisado. Aqueles doentes lá dentro do hospital andavam devagar, quase escorriam. Mas, também, pressa de fazer o quê e para quê? Saindo dali, sofreriam menos? Voltei para casa refletindo sobre a inutilidade das coisas.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

Do meu quarto, numa noite de chuva, observava o nevoeiro que descia calmo e sonolento na vidraça da sua janela cansada. As figuras mornas e torturadas haviam perdido a forma, agora eram retas e escuras, mas ainda andavam e sonhavam na madrugada cinza. Tive uma visão que mais parecia um sonho: num planeta azul, de um azul tão lindo que enchia os olhos de lágrimas, vi uma humanidade de mãos dadas, solidária, justa, compreensiva e amiga. As crianças, felizes, brincando nos jardins, ou indo para a escola. Os homens, todos honestos e justos, solidários, indo para o trabalho. As mulheres, também nos seus variados locais de trabalho, tranquilas por saberem que os seus filhos estavam seguros a caminho da escola, além de poder frequentar colégios da melhor qualidade, com professores competentes e afetuosos. As casas eram confortáveis, os jardins com flores e as hortas com variadas verduras. Nos parques, além das flores, inúmeras e das mais variadas cores, árvores e árvores repletas de frutas. As avenidas eram limpas e lindas, sem um mendigo. Os rios, caudalosos, de água pura e imaculada. Tive vontade de me beliscar, mas não tive coragem.

Preferi o sonho, à realidade. Estava exausto de realidade. Se pudesse, pediria demissão da vida ali mesmo, naquele instante, para não ter que dessonhar tudo de novo, magoando-me. Devaneios, puros devaneios, mas característicos de quem tem além de insônia, vive muito só, e de quando em vez arrebata sonhos e pensa na finitude da vida.

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