PETER PAN & WENDY (O que aconteceu com os homens de Brasília?) – por Carlos Maltz

A pergunta que mais escuto no meu consultório atualmente é: o quê aconteceu com os homens de Brasília? Talvez minhas clientes imaginem que eu, por ser homem e psicólogo, possa ter a resposta. Naturalmente elas estão falando de suas dificuldades com os homens em seus relacionamentos afetivos, ou mais especificamente, suas dificuldades em encontrar homens dispostos a entrarem e se comprometerem em um relacionamento afetivo.


Não tenho a resposta. Também não sei se esse fenômeno se restringe a Brasília, ou ao Brasil. O psicólogo e escritor argentino, Sérgio Sinay em seu livro mais recente lançado no Brasil, “A sociedade que não quer crescer”, cita outro livro que ficou conhecido na década de 1980: “A síndrome de Peter Pan”, do também psicólogo Dan Kiley. Este autor americano fala que pessoas que padecem desta “síndrome” se negam a deixar de serem filhos para adquirirem as condições de serem adultos e pais. Ele adotou o nome do famoso personagem que nunca saia da “Terra do Nunca”, que é onde nunca se cresce.

Sinay apresenta algumas características de Peter Pan:
– Idealiza a juventude e se recusa em assumir as circunstâncias da vida adulta.
– Se zanga quando não obtém de imediato o que deseja.
– Sofre de medo da solidão e é profundamente inseguro. Embora tente dissimular ambos.
– Insatisfação constante. (I can get no satisfaction, and i try, and i try, and i try…)
– Procura permanentemente por alguém que se encarregue das suas necessidades.
– Foge das consequências das suas ações mentindo ou não se responsabilizando por elas.
– Nega qualquer compromisso afetivo, sob o pretexto de assim preservar a sua “liberdade”.

Curiosamente, nos fala o autor, este tipo de menino que não quer crescer costuma ser encontrado em companhia de mulheres que constelam o que ele chama de “O dilema de Wendy”. Elas adotam, quando encontram o seu jovem herói, um papel maternal e estão prontas a atender imediatamente as suas necessidades. Estão sempre disponíveis, mesmo que isso implique em passar por cima de seus próprios compromissos e costumam também sempre acusar o seu PP do momento de abusar delas e da sua boa fé, embora não façam nada para interromper a relação abusiva.

E não pensem que os Pans e suas Wendys são identificados apenas por uma maneira infantil ou adolescente de viver e se vestir. Eles estão em todos os ambientes, principalmente nas engravatadas e formais repartições públicas da nossa Capital Federal. O resultado é nefasto. Como eles não querem deixar de serem filhos, e elas não conseguem deixar de serem mãezinhas a mimá-los, ninguém cresce, e ninguém assume relacionamentos verdadeiramente adultos, satisfatórios e transformadores.

Pelo que tenho visto e escutado no consultório, esse fenômeno que antes era periférico, atualmente é majoritário. Nesses dias de “Amor Líquido” como ensina o sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, Peter Pan e Wendy constituem uma espécie de casal-símbolo da geração que está entre os trinta e os quarenta. Quando encontramos um casal disposto a se comprometer afetivamente em profundidade, nessa faixa etária, estamos diante de alguma espécie de exceção.

Mas, alguém poderia perguntar, qual é o problema de sermos “puers et puellas” eternos? Qual é o problema de estarmos prontos para o desejo e a fruição sem fim dos prazeres e sermos eternamente “felizes”?

Dizia o velho Freud, que a “felicidade” é quando acaba a dor de dente, mas que dificilmente alguém poderia ser feliz sem nunca ter sentido alguma dor de dentes. O problema, é que estamos construindo uma cultura que não ensina a diferença entre desejos e direitos e estimula a considera-los como a mesma coisa. Uma cultura sem deveres, especialmente, sem deveres morais. Uma cultura não do presente, mas do instante, que perdeu conexão com o seu passado e o seu futuro. Uma cultura na qual as gerações não honram seus predecessores e não contemplam sucessores. Os consultórios psiquiátricos de Brasília e da galáxia estão lotados. Peter Pan & Wendy estão enriquecendo os laboratórios psicofarmacológicos. A vida é inteira, e se quisermos que ela faça algum sentido para nós, vamos ter que encarar o filé e o osso.

Segundo Sergio Sinay, estamos deixando para as próximas gerações, uma cultura que tampouco percebe a obrigação de enobrecer, preservar, ou de legar noções que , quando abolidas, legitimam toda depredação de ordem física, espiritual, afetiva ou material. Uma cultura em que o vazio de sentido desencadeia uma profunda angústia existencial que se pretende ocultar mediante um consumo obsessivo e compulsivo de qualquer placebo que se ofereça como paliativo sob a forma de objetos, pessoas, militâncias, vícios, drogas legais e/ou ilegais, modas, aparelhos tecnológicos e fanatismos esportivos, musicais, políticos ou religiosos.

Qualquer semelhança com o processo eleitoral que acabamos de vivenciar, não é mera coincidência.

Carlos Maltz é astrólogo e psicólogo junguiano. Foi o primeiro baterista e fundador dos “Engenheiros do Hawaii”. Vive em Brasília com sua esposa e três filhas desde 2000.
Carlos Maltz é astrólogo e psicólogo junguiano. Foi o primeiro baterista e fundador dos “Engenheiros do Hawaii”. Vive em Brasília com sua esposa e três filhas desde 2000.
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