Presídios têm marcas de tiro e internos bebendo água de privada após chacinas

Visão através de um buraco causado por tiro durante o motim no Compaj/Foto: Felipe de Souza

É inevitável entrar no presídio onde 56 pessoas morreram no primeiro dia do ano e não lembrar os vídeos de extrema violência que foram compartilhados em redes sociais na última semana. Gritaria, explosões, tiros e corpos esquartejados e carbonizados amontoados.
A BBC Brasil foi a primeira equipe de jornalismo a entrar no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e na cadeia pública Raimundo Vidal Pessoa, onde quatro pessoas foram mortas dois dias após a primeira chacina.


Também, entraram nas unidades representantes da Pastoral Carcerária, da ONG Conectas e de outras entidades de direitos humanos, além do deputado federal Padre João (PT).

Visão através de um buraco no vidro causado por tiro no motim no Compaj/Foto: Felipe de Souza

A primeira barreira para entrar no Compaj, está posicionada a dois quilômetros da entrada. Neste ponto, cerca de 200 familiares e amigos de presos se reuniam debaixo do sol forte de ontem, terça-feira, na capital amazonense.

Ao lado de equipes de TV, eles estavam em busca de informações e faziam protestos para ter o direito de levar comida aos presos, que não recebem visitas desde a matança. Algumas famílias estavam, havia horas, com alimentos perecíveis sem refrigeração, como um frango inteiro e carnes, aguardando autorização para entregar.

A comitiva acompanhada pela BBC Brasil passou o bloqueio e seguiu por uma estrada em meio à mata até chegar a um grande portão verde com o nome do presídio. Depois de cruzar essa barreira, algumas portas e um longo corredor, chega-se à sala da direção do presídio.

Um furo na vidraça da janela chama a atenção. “Foi no dia da rebelião que fizeram isso. Um tiro disparado pelos presos atravessou o vidro e acertou um agente que estava aqui dentro para você ter uma ideia”, relata o secretário de Administração Penitenciária do Estado, Pedro Florêncio, que também estava na comitiva.

Dali, foi possível ver parte do cenário onde ocorreu a chacina que repercutiu internacionalmente. O secretário, porém, recomendou que ninguém entrasse no local que abriga 1057 presos. “Não tem a menor condição”. A decisão foi respeitada.

A comitiva decidiu seguir para a área feminina do conjunto de presídios. Da porta até as celas dedicada às mulheres, a comitiva passou por seis grades de proteção e um aparelho detector de metais.

A recepção foi feita por uma cachorra, adotada há quatro meses pelas internas após ter sido encontrada com queimaduras, e um gato. As próprias internas alimentam os animais, que convivem bem entre si e são os únicos com trânsito livre na unidade. Tudo graças ao corpo estreito que permite que os animais passem pelo meio das grades.

A reportagem entrou em algumas celas, a pedido das próprias detentas. A intenção delas era mostrar que tudo estava organizado e limpo.

“E não foi nada combinado. A gente nem sabia que vocês estavam vindo”, disseram.

A maior parte delas tem muitos perfumes, cremes corporais, maquiagem e, claro, um ventilador para amenizar o clima quente e abafado.

De chinelo,  o único calçado permitido, as detentas demonstraram alegria em receber visita. Elas aplaudiram e algumas até choraram após ouvir o coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Valdir João Silveira, dizer que elas não são inferiores em relação às pessoas fora da cadeia.

Do Compaj até a cadeia pública Raimundo Vidal Pessoa são cerca de 30 quilômetros de distância. A estrutura externa do presídio centenário é tomada pelo mofo.

A unidade foi desativada em outubro de 2016 justamente por ter problemas graves na estrutura. Mas precisou ser reaberta dois dias depois da matança no Compaj para receber presos que corriam risco de morrer.

Do lado de dentro, há um forte cheiro de lixo, fezes e urina. Apenas uma grade, protegida por um guarda armado, separa o portão de entrada do contato direto com parte dos presos.

Já começava a escurecer quando a reportagem chegou a essa barreira e ficou a menos de dez metros dos internos.

Eles passam a fazer suas reivindicações em voz alta. “Por favor, nos ajudem! A gente não tem nenhum item de limpeza pessoal e, para piorar, estão fechando nossa água. A gente fica com tanta sede que chega a tomar água do vaso sanitário”, diz um deles.

Outro mostra sua perna machucada. Assim como ele, outros presos mostram marcas que herdaram da chacina no Compaj, e pedem para que sejam levados a um hospital. Também há reclamações de hipertensos e diabéticos sem remédios.

Mas a maior parte dos pedidos são de transferências por presos que temem ser decapitados por seus inimigos a qualquer instante. Horas mais cedo, 20 presos transferidos no dia anterior para uma cadeia em Itaquatiara, a 270 quilômetros de distância da capital, voltaram para a Manaus.

Enquanto esperavam para entrar, um deles ameaçou outros presos que estavam no veículo ao lado. “Tu vai morrer, safado. Eu vou ter o maior prazer em arrancar sua cabeça (…) Tua e desse outro safadinho aí também”, disse.

Do lado de fora, familiares choravam de preocupação com a possibilidade de haver um novo motim na unidade e seus parentes acabarem mortos. Uma mulher chegou a se ajoelhar para pedir que não colocassem esses presos na mesma unidade.

Alagamento de urina

Não foi possível verificar com detalhes a estrutura onde os presos estão. Os três cômodos usados pelos funcionários para dormir, assistir televisão e comer ficam próximos ao banheiro.

A água do banheiro alagou toda a área dedicada aos trabalhadores. Os colchões estão molhados, sujos e velhos.

Pedaços da parede estão caindo e parte do teto já não tem mais forro. O local quase não tem ventilação e estava com muitos mosquitos.

Mas nem tudo estava em péssimas condições. A reportagem da BBC Brasil – que não passou por revista e estava com um celular – passou a mandar mensagens e até imagens de dentro do presídio. O sinal e a velocidade estavam ótimos.(iG/Agência Brasil)

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