O desaparecimento de três trabalhadores rurais sem-terra em Canutama, no Amazonas, completa um mês neste domingo (14) e continua a desafiar as autoridades do Amazonas, ao mesmo tempo em que motiva críticas dos familiares dos desaparecidos, pela demora em solucionar o caso.
Segundo testemunhas, Flávio Lima de Souza, de 42 anos; Marinalva Silva de Souza, de 37 anos, e Jairo Feitoza Pereira, de 52 anos, foram vistos pela última vez inspecionando parte de uma propriedade rural que está ocupada por cerca de 200 sem-terra desde 2015, em Canutama, no sul do Amazonas, próximo à divisa com Rondônia – uma região de difícil acesso e vegetação densa.
Ex-brigadista do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e presidente da Associação dos
Produtores Rurais da Comunidade da Região do Igarapé Araras (Asprocria), Flávio chegou a pedir o apoio de organizações sociais como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) para denunciar as ameaças que dizia sofrer de madeireiros e funcionários da Fazenda Shalom.
Já Marinalva registrou um boletim de ocorrência semanas antes dos três desaparecerem. No BO, a que a Agência Brasil teve acesso, Marinalva denuncia a ação de funcionários da fazenda para intimidar os sem-terra, como a destruição de manilhas que os ocupantes planejavam instalar na área.
Suspeitos foragidos
No último dia 3, a Polícia Civil do Amazonas divulgou as fotos e os nomes do fazendeiro, Antonio Mijoler Garcia Filho, 61 anos, e do caseiro Rinaldo da Silva Mota, 38 anos, procurados por homicídio qualificado. Eles são suspeitos de envolvimento no sumiço das lideranças sem-terra.
Suas prisões foram autorizadas pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) em 28 de dezembro, sete dias após a Polícia Civil tornar público que o delegado responsável pela investigação pediria à Justiça a prisão preventiva dos dois suspeitos e autorização para realizar buscas e apreensões em endereços ligados a eles.
Segundo o Tribunal, os pedidos de prisão só foram ajuizados no dia 23, um sábado. Em função do feriado de Natal, só puderam ser encaminhados para apreciação após o dia 26, quando a juíza Joseilda Pereira Bilio assumiu a titularidade da Vara de Canutama. Os mandados foram expedidos dois dias depois.
Segundo parentes dos desaparecidos que acompanham o caso, com a demora, os suspeitos conseguiram deixar Canutama. No dia 29, a Polícia Civil informou que equipes da 62ª Delegacia Interativa se deslocaram até a capital de Rondônia, Porto Velho, a apenas 60 quilômetros de Canutama. A intenção era cumprir os mandados de prisão, mas nem o fazendeiro, nem o caseiro foram localizados nos endereços de que a Polícia dispunha. Desde então, Mijoler e Mota são considerados foragidos.
Como o local das buscas fica próximo a Porto Velho, parentes e integrantes do grupo de sem terra decidiram pedir apoio ao governo de Rondônia. No último dia 28, eles se reuniram com o vice-governador Daniel Pereira que, prontamente, enviou um ofício ao governador do Amazonas, Amazonino Mendes, oferecendo ajuda nas buscas por Flávio, Marinalva e Jairo.
Até ontem (12), o governo de Rondônia não tinha recebido nenhuma resposta. Segundo a assessoria da vice-governadoria, embora a Polícia Civil de Rondônia tenha auxiliado nas buscas logo nos primeiros dias após o anúncio dos desaparecimentos, acabou por se afastar já que, oficialmente, o trabalho “é da alçada do governo do Amazonas”.
Falta de estrutura
Doze militares do Exército também auxiliaram nas buscas aos sem-terra entre os dias 20 e 24 de dezembro, mas suspenderam os trabalhos sem encontrar qualquer indício do paradeiro dos três desaparecidos. Desde então, a Polícia Civil do Amazonas tem atuado na solução do caso com o apoio de homens do Comando de Operações Especiais (COE) da Polícia Militar do Amazonas.
Para parentes dos três sem terra desaparecidos, as forças policiais de Canutama e região não tem os equipamentos, estrutura e pessoal adequados ou em número suficiente para esclarecer o desaparecimento. Além do apoio de equipes de Porto Velho, eles pedem que a Polícia Federal entre no caso.
“Afinal, o crime ocorreu em terras da União, no contexto de um conflito agrário”, disse à Agência Brasil a irmã de Flávio, Lucicleia Lima de Souza, ao informar que já solicitou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que peça a intervenção da PF. “Isso acalmaria um pouco nosso coração, pois a PF atuaria com maior isenção.”
Para Maria Petronila Neto, uma das coordenadoras da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Rondônia, a “morosidade” do Poder Público facilitou a fuga dos suspeitos. “Até agora, não temos nada de concreto. Os suspeitos continuam foragidos e não há nem ao menos uma pista sobre o paradeiro dos três sem-terra. Algumas pessoas temem falar, mas desconfiam da atuação das autoridades locais”, disse Petronila, lembrando que a demora entre a apresentação dos pedidos de prisão e de buscas e apreensões e a efetiva ação policial também pode ter permitido que provas fossem destruídas e vestígios apagados. “Só saberemos o que de fato aconteceu quando a polícia colocar as mãos nestes foragidos.”
Procurado na quinta-feira (11), o governo do Amazonas até o momento não respondeu às perguntas da reportagem e às críticas de Lucicleia e de Petronila. O Incra acompanha a situação por meio da Ouvidoria Agrária Nacional, que encaminhou ontem ofício à Secretaria de Segurança Pública do Amazonas pedindo mais agilidade nas investigações.
Segundo o instituto, a área ocupada pertence à União e a Justiça Federal já concedeu uma decisão liminar (provisória) favorável ao cancelamento do que classifica como “registro irregular” da propriedade do imóvel conhecido como Igarapé das Araras e a autarquia está apenas aguardando a decisão judicial definitiva para definir o destino do imóvel rural.
Formado por representantes do Estado e da sociedade civil, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) já agendou para sua próxima reunião, no dia 29, a discussão do desaparecimento de deve discutir o desaparecimento de Flávio, Marinalva e Jairo Feitoza Pereira e a tensão fundiária no Amazonas.
Fonte: Notícias ao Minuto