A Diplomacia Brasileira aos 180 Dias do III Governo Lula – por Regiane Nitsch Bressan

Regiane Nitsch Bressan é professora de Relações Internacionais da EPPEN/Unifesp - Foto: arquivo pessoal

A visita de Lula à Europa foi marcada por múltiplas tarefas – como as tradicionais atividades oficiais e reuniões com diferentes lideranças, amistosos encontros, além do discurso no festival Power Our Planet para milhares de jovens na França. Sua presença foi sempre regada por discursos que intentam alavancar o Brasil na arena dos temas contemporâneos internacionais e governança global.


Iniciada na Itália, a viagem de Lula proporcionou encontro com o sociólogo italiano Domenico de Masi, em Roma, seguido por um encontro com o papa Francisco pela defesa de temas sociais e paz no mundo, mas evitando o tema árido da Guerra na Ucrânia.

Na sequência, os encontros oficiais tomaram a agenda de Lula, que engajou o Brasil na defesa do meio ambiente, em uma tentativa clara de facilitar a consecução do acordo entre União Europeia e Mercosul.

Em Paris, foi realizada a Cúpula pelo Pacto Financeiro Global, com os presidentes da África do Sul, Congo, Cuba, Haiti e da COP28, que ocorrerá nos Emirados Árabes Unidos, além do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A reaproximação com a África e encontro com diferentes lideranças colaboram com a inserção do Brasil na nova governança global. Ademais, reforçaram o entusiasmo pelo retorno de relações prósperas do Brasil com os países africanos, mirando convênios e investimentos brasileiros no setor de obras no continente.

A cúpula teve como objetivo discutir a reforma de instituições internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, além do engajamento contra as mudanças climáticas e a pobreza. Ainda que a cúpula tenha discutido a reforma da arquitetura financeira mundial mirando o combate à desigualdade econômica e problemas ambientais, foi palco de frustração por nações emergentes. Havia uma promessa anterior pela liberação de US$ 100 bilhões por ano pelos países ricos aos países em desenvolvimento para o enfrentamento das mudanças climáticas, o que não vem acontecendo.

As articulações políticas na França foram relevantes para discutir o processo de implementação do acordo de livre comércio entre os dois blocos. Reiteradas vezes, Lula criticou as novas exigências ambientais impostas pelos países europeus, repetindo a importância do combate às diferentes desigualdades entre as sociedades, mas sem deixar de mostrar esforços brasileiros pelo meio ambiente. O anexo ao tratado impõe sanções ao descumprimento do Acordo Climático de Paris, sendo interpretado por Lula como ameaça ao parceiro estratégico. Aliás, Lula reiterou ao presidente francês que o Brasil considera inaceitável o adendo que modifica o acordo assinado em 2019.

Por sua vez, Macron alegou que a ratificação desse acordo tangencia problemas de diferentes ordens do comércio internacional, como dumping, diferenças entre os direitos trabalhistas e uso indiscriminado de uma série de pesticidas, autorizados pelo governo de Bolsonaro, que são proibidos na Europa. Agravando as dificuldades nas negociações, os países europeus defendem a histórica Política Agrícola Comum que subsidia a produção agrícola do continente, enquanto o Brasil não deve permitir o avanço de outro tema espinhoso, as compras governamentais.

Lula também esteve com Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, partido de esquerda que lidera uma coalizão que inclui socialistas, ecologistas e comunistas. Houve empenho expressivo por parte do Brasil em calibrar os interesses dentro do acordo, o qual voltará a ser discutido no encontro entre União Europeia e a Celac em julho na Bélgica.

Ainda que enfrente uma série de desafios, a viagem de Lula à Europa, após quase 180 dias de seu governo, reitera a importância ao Brasil em retomar seu papel estratégico no tabuleiro internacional. Além disso, evidencia a potencialidade do presidente Lula em dialogar com múltiplos interlocutores, reforçando o prestígio brasileiro no cenário externo. Por fim, o Brasil não deixa de lutar pelos seus interesses, mirando crescimento econômico aliado com proteção ambiental e combate à desigualdade. Isso se faz com diálogo, negociação e boa diplomacia.

(*) Regiane Nitsch Bressan é professora de Relações Internacionais da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Carlos (EPPEN/Unifesp). Também é professora do Programa Interinstitucional (Unesp, Unicamp e PUC-SP) de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas. É doutora e mestra em Integração da América Latina pela USP e integra o Observatório de Regionalismo, Gridale, Fomerco e Cries. Email: [email protected]

Artigo anteriorNova Lei assinada por Lula garante igualdade salarial entre Homens e Mulheres
Próximo artigoPrefeitura inicia a oferta do serviço de Profilaxia Pós-Exposição ao HIV

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui