Além do teto – Por Paulo Figueiredo

Advogado Paulo Figueiredo (AM)

Há premissas que devo desde logo deixar bem claras, a meu juízo, indiscutíveis, vamos lá, com expressão que guarda antigo vezo de advogado.
A primeira delas é que entendo que a Magistratura e o Ministério Público devem ser muito bem remunerados, com recursos que propiciem aos titulares de suas funções uma vida digna e confortável, embora sem jamais ultrapassar os limites legais e sem quaisquer artificialismos. Como diz Joviana Cavaliere Lorentz, devotada cultora da Ciência Jurídica, “quem acha ‘virtude’ em ganhar acima do teto constitucional não tem nem ideia do que é virtude e que lugar de ganhar fortunas é na iniciativa privada”, com todos os riscos inerentes à respectiva atividade. E acrescenta que “nenhum trabalho n o Estado justifica remuneração extravagante, segundo regra estabelecida pelo patrão do dinheiro, o povo”.


A segunda é que determinados tipos de políticos, fisiológicos, negocistas, agenciadores do balcão parlamentar, investidores na empresa política, há muito já deveriam ter sido banidos da vida pública brasileira. Os meus poucos leitores, em décadas de jornalismo, sabem que tenho verdadeira ojeriza pela figura deplorável e cínica do senador Renan Calheiros e outros de igual jaez, com presença hoje lamentavelmente dominante no Congresso Nacional e no cenário político do país.

Advogado Paulo Figueiredo (AM)

Mas, com todas as restrições ao famoso alagoano, no presente, um dos condestáveis da República – pobre Brasil, não há como discordar de sua iniciativa de fazer valer de uma vez por todas as limitações impostas pelo teto constitucional, algo em torno de R$ 33 mil, como remuneração paga aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Assim, não vejo razões legais e éticas no protesto das associações de magistrados, procuradores e promotores, quando se insurgem contra as fronteiras estabelecidas pela legislação, sempre violada por muitos penduricalhos, que alargam em valores ext raordinários o que é efetivamente pago a esses servidores públicos. De mais a mais, não convence ou pouco importa essa história de que Renan Calheiros estaria retaliando, como investigado ou denunciado pela Lava-Jato, uma vez que, se existe teto, que se respeite o teto, que se cumpra a Constituição, como é elementar e óbvio. Tamanha é a insensatez que a presidente da Associação Nacional do Ministério Público, também representante da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, na linha do inimaginável, declara que “esse projeto está dentro de um pacote que veio em decorrência do trabalho da Operação Lava-Jato” e que todos eles “não estão sendo punidos por suas falhas, mas por suas virtudes”. Talvez em ato falho, quais seriam as falhas, o recebimento de remuneraç&ati lde;o além do teto constitucional? Como se vê, sem nenhuma cerimônia, tem-se uma tentativa canhestra de justificar o injustificável,  a fixação de salários acima dos limites legais, em importâncias mensais que alcançam milhares de reais.

O que a sociedade exige é que se tenha um mínimo de transparência e precisão na composição remuneratória dos membros do Poder Judiciário, com a extinção definitiva de todos os penduricalhos, que fazem com que se extrapole em larga medida o teto imposto pela Constituição. Que o salário seja condizente com as elevadas responsabilidades do cargo, mas que a folha de pagamento traduza com fidelidade apenas e tão somente a verba básica paga pelo exercício da função, férias e décimo terceiro, sem adicionais de qualquer natureza, nenhum centavo além, que pos sa servir para ultrapassar o teto previsto.

Na esteira do absurdo, por exemplo, paga-se atualmente auxílio moradia aos magistrados, no valor de R$ 4.740,00, fruto de uma liminar concedida pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, como estranha e insustentável forma de aumentar a remuneração dos juízes. Trata-se, como bem adverte Divaldo Martins da Costa, juiz aposentado, culto e sério, de uma decisão inconstitucional, porquanto afronta o princípio da legalidade. É mais um puxadinho oblíquo, bem mais grave, pois determinado pela Suprema Corte, que permite escamotear valores que subvertem a legislação vigente.

A Lava-Jato tem merecido o aplauso entusiástico do povo brasileiro, ao pôr na cadeia quem até então se julgava inimputável, tipos proeminentes do andar de cima da sociedade e do universo da política. No mesmo sentido, há que se ter presente que o Brasil vive um novo momento de sua história, que não tolera mais qualquer violação da ordem jurídica, tenha a origem que tiver. E o teto é para todos, sem nenhuma distinção ou forma de rodeios ou subterfúgios.(Paulo Figueiredo é Advogado, Escritor e Comentarista Político – [email protected])

Artigo anteriorIrresponsabilidade fiscal e corrupção, irmãs siamesas – Por Osíris Silva
Próximo artigo´Concerto de Natal´ tem abertura de gala no Teatro Amazonas

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui