Amor social – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Nesses tempos de pandemia são muitas as ameaças que rondam o desamparado indivíduo, desde o negacionismo do mandatário maior da Nação, até a incompetência de gestão e de logística do atual Ministro da Saúde. Razões não faltam para que se diga a toda hora indignado. É cômodo, no entanto, ver-se como simples vítima de uma realidade perversa para assim livrar-se de qualquer responsabilidade. Além do mais, a postura de sofredor impotente em nada contribui para a melhoria da vida pessoal e coletiva.


Há motivos de sobra para que o cidadão se diga revoltado com impostos excessivos, governos perdulários e ineficientes, serviços públicos de má qualidade, caos urbano, violência generalizada.

Ocorre, porém, que esse quadro desalentador é resultado da soma da ação de todos. Não é porque há tantas coisas erradas que se justifica uma manifesta falta de envolvimento afetivo com o País. Não deixa de ser oportunista, expressão apenas de um espírito festeiro, o amor fácil aos símbolos pátrios durante copas do mundo em que nos consideramos favoritos. Não há desgoverno e “problemas sociais” que justifiquem o flagrante desamor às cidades aos bairros e às ruas. Infelizmente, o que se vê por toda parte é um enorme fosso entre o indivíduo e a comunidade.

É inevitável que com a violência comendo solta o brasileiro se sinta sitiado, ameaçado em cada esquina, e perca muito da alegria de estar com os outros nos espaços públicos. Nada disso, porém, explica a indiferença cívica que caracteriza as relações dos brasileiros com suas instituições e organizações. Salta aos olhos que não conseguimos nos afeiçoar minimamente às coisas a ponto de nos empenharmos por elas, de procurarmos crescer com elas. Aplicássemos às coisas miúdas de nosso dia-a-dia coletivo um pouco da paixão que devotamos à Seleção Brasileira de futebol e seríamos uma sociedade muito mais coesa e participativa.

Mas por que não temos ou perdemos o sentimento de vinculação ao outro e ao todo? Não aprendemos até hoje a lição de que a defesa dos interesses individuais obriga também cada um a se preocupar com o que é comum. Talvez o processo de nossa formação social explique por que o brasileiro não se envolve afetivamente com suas instituições. Cobra delas desempenho sem se sentir participando de sua construção.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Enxerga-as como se fossem máquinas defeituosas e não como construções sociais resultantes das ações de cada cidadão. Não por acaso, muitos proclamaram, quando das comemorações dos 500 anos, que não havia o que festejar. Apregoavam que o País tinha tantos problemas que qualquer manifestação de júbilo era falsa. Esse tipo de posição nada tem de visão crítica. Apenas aproveita-se do desamor generalizado às instituições para explorá-lo política e ideologicamente. Se comemorações fossem suspensas sempre que as coisas não vão muito bem, o mundo mergulharia numa tristeza funérea.

O fato é que os manipuladores da consciência coletiva invocam as imperfeições, os problemas sociais, como justificativas para um mal pior: a falta de “amor social”. Os cidadãos precisam se ver como construtores do País e de suas instituições. Do contrário, permanecerão na cômoda posição de se indignar e esperar que o bom caia do céu. O mau funcionamento do País e das cidades não deve servir de pretexto para que fiquem na confortável posição de crítica sem participação. Uma sociedade é edificada com crenças, símbolos, instituições e ações.

Falta por aqui uma saudável dose de apego aos símbolos que definem nossa existência compartilhada. Somos de um pragmatismo destrutivo: se não funciona bem não nos envolvemos. Mas o problema é que se não nos envolvemos não tem como funcionar bem. Este é o dilema. É falaciosa a tese de que numa sociedade com tantas carências materiais é artificial enfatizar a força dos símbolos como argamassa dos projetos coletivos.

A politização dos valores dá à afeição uma conotação meramente ideológica – uma espécie de endosso emotivo à ordem existente. Nas escolas não se cultivam valores que fortalecem a auto-estima pessoal e coletiva. O esqueminha inoculado nos jovens reduz tudo a uma simplista luta de classes. Nada praticamente merece respeito porque é sempre visto como colocado a serviço de uma dominação. Essa é uma das formas mais sutis de promover o desamor a tudo e todos.

Os que dirigem são suspeitos de tudo e as instituições existem para servir os poderosos. A família tradicional, que deveria ser admirada como a usina geradora do amor pessoal e social, é depreciada como careta. A despeito de não ter regras escritas, a família é o grande laboratório de formação das personalidades e de expressão de afetos. É ingenuidade imaginar que se possa desprestigiando-a construir uma sociedade melhor.

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