Arte Circense – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Divertimento secular, o circo sempre se manteve no “ranking” de um teatro menor, destinado a distrair crianças e empolgar ingênuos. Por isso mesmo, submete-se ao efêmero dos barracões instalados em áreas baldias, à itinerância forçada, à vida precária dos trailers, reboques e caminhões. Nem por isso brilham menos as artes circenses, nos domínios do ilusionismo, do malabarismo, nas aventuras do trapézio e da corda bamba.


O circo é prodígio de deslumbramentos, e os burlantins, os magos da risada e da emoção barata. À plebe romana dos tempos dissolutos do Império, que Juvenal satirizou, bastavam o “panem et circenses” para se manter em quietação política. E isso se transformou em receita universal e permanente, que muitos poderosos cultivaram ao longo do tempo.

Não raramente, se falta o pão, aumenta-se a dose de circo, de modo que as artimanhas dos mágicos e a habilidade dos malabaristas, conseguem apaziguar descontentamentos e serenar murmurações perigosas. Mas o culto ao circo pode prescindir do equipamento clássico dos picadeiros. A substância do circo está no ilusionismo, no malabarismo e no exibicionismo estrondoso dos palhaços – o que pode ser praticado em toda parte: nas salas ministeriais, no plenário das assembleias, no recinto dos tribunais, nas convenções partidárias, e principalmente nos estúdios de rádio e de TV.

Nunca se viveu tanto, quanto hoje, ao sabor das artes circenses. O que é a publicidade política senão uma peça de ilusionismo? E o que não faz o contorcionismo de um candidato, interpelado numa coletiva com repórteres hábeis e irreverentes? Viu-se, ainda há pouco, numa comissão para examinar os erros e falcatruas sobre a pandemia o malabarismo desesperado dos investigados e a ostentação desvairada dos interpelantes. Durante dias e dias o Brasil parou diante das telas de TV, siderado pelos jogos de palavras e de gestos, como se assistisse a um patético dramalhão de burlantins. Já se aproxima a campanha eleitoral de 2022, quando então teremos a festiva repetição da pantomina, com vários salvadores da pátria prometendo-nos redenção econômica e social em quatro anos de mandato.

A televisão permitiu a todos esses cavalheiros a invasão de nossa privacidade e a perturbação de nosso sossego. E o amor ao circo, que ora domina todo o circuito de comunicações, entregou-nos, atados, à exibição dos malabaristas da palavra, aos contorcionistas da razão e aos ilusionistas da promessa fácil. O circo não domina apenas a política. Ele invadiu as igrejas, onde a piedade discreta foi substituída pela devoção cantada, alardeada e carnavalesca. Ele alimenta os professores, que trocaram a dissertação pelo show.

Ele empolga os intelectuais, que pouco resistem à ostentação vaidosa das entrevistas, dos painéis de demonstração e da patuscada dos festivais disto e daquilo. Há uma pândega exibição de profissionais, que usam e abusam dos veículos de comunicação para se promoverem. E tal qual os “peludos” do circo, que entram e saem a cada momento para instalar e recolher equipamentos, eles invadem o picadeiro repetidas vezes, a título de espalhar sua ciência e habilidades entre o público ignaro. Repetitivos e solícitos, eles servem ao repórter ou ao produtor preguiçoso, que não querem perder tempo com pesquisas, recebendo em troca a publicidade gratuita dos espaços do noticiário e da reportagem.

A própria universidade não resiste à tentação do circo. Nas solenidades de diplomação, em contraste completo com a informalidade dos alunos, testemunhamos o ridículo das togas coloridas e dos longos balandraus, cuja solenidade não compensa o frequente despreparo dos titulados.

Decididamente, na intitulada “era da comunicação”, o circo nos ameaça a todos. Já não há como resistir à condição de cidadão-palhaço. Já parece difícil reagir contra essa deturpação geral de coisas e pessoas, essa perda de autenticidade que nos transforma em espectadores ingênuos da ostentação alheia, em vítimas indefesas da propaganda enganosa, em crentes do discurso irracional. E, o que é pior, em coadjuvantes da pantomima.

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