Arte e o Infinito em Psicanálise (Por Max Diniz Cruzeiro)

Neurocientista clínico Max Diniz Cruzeiro(DF)

Jansy Berndt relata que seu primeiro contato com Bion foi há 40 anos atrás no auditório Dois Candangos em Brasília. E o que a surpreendeu neste primeiro contato foi a disposição do palestrante ao anunciar de maneira reflexiva o que estaria por vir naqueles próximos momentos: “Mal posso esperar o que eu tenho a dizer”.
O que Jansy viu e aprendeu com Bion foi através da experiência, captação emocional e intelectual pela aplicação dos recursos cognitivos que havia desenvolvido até o momento.


O tempo todo os grupos de discussão permearam um seminário aberto, corroborando para formatar uma experiência de vivência múltipla por ser um grupo desenvolvido para psicanalistas.

Então muito se trabalhou com os elementos perceptivos dos integrantes deste agrupamento no qual se procurou integrar vicissitudes sobre o desconhecimento patológico, o material recalcado a pressionar o indivíduo, os fatores de desconhecimento grupal e o próprio desconhecimento filosófico que abarcava  algo absoluto que não podia ser descoberto e que não estava sendo transformado.

Bion em sua ênfase de grupo indicava que era impossível existir uma psicanálise em que o contato físico não estivesse como um vínculo presente num relacionamento entre os pares, seria impensável para Bion a existência de uma psicanálise se realizado um paralelo com nosso tempo moderno em que fosse realizada por processamento on-line de informações (por exemplo por e-mail). Bion se justificava na contra produção de sua época que este meio de não-contato poderia simbolizar um aspecto de transações de escritas na forma de cartas, para fazer este papel mecânico de não-proximidade física, de que sua recusa pelo não-contato estava endossada na necessidade dos indivíduos se fixarem sobre o aspecto real ao qual se atribuía a reprodução dos verdadeiros efeitos da psicanálise.

Para Bion as pessoas desconhecem as fronteiras e as barreiras do psíquico, criação do espaço que brota uma mente ilimitada. O cérebro não é a mente. Não há portanto uma fronteira para a mente. A mente possui uma fronteira ilimitada.

Para Vladimir Nabokov: “As coisas de que é difícil dizer você desmanda o pólen delas quando as tocam com a palavra.”

Então sobre este feixe é possível imaginar a palavra como sendo o produto síntese da extensão do pólen a integrar significante e significado em uma significação a transbordar conceitos na forma de deliciosos favos de mel.

As palavras permitem continuar em movimento a transformar o abstrato em ordenação de pensamentos que se somam e se integram dentro do real.

A cesura por sua vez é um corte onde o verso termina, mas a frase não termina. Nós vivemos presos por cesuras artificiais.

Diria que da cesura se fabrica a melodia do canto de gesticular sons que sintetizam palavras.

A cesura do corte umbilical nos fazem afetar, bem como a cesura do calendário que nos condiciona a uma afetação cíclica de um dimensionamento temporal. A cesura nos fazem achar distantes e desconhecidos se escalonada e observada pelo ato de desmembrar, criar brechas e promover lacunas nos seres humanos.

Então há que se raciocinar em dois polos: um de aspecto positivo e outro negativo; onde a fabricação de tais alicerces reproduz o processo que modifica e organiza o campo psíquico do indivíduo.

Nunca é demais relembrar que a mente não é o cérebro e ela não tem fronteira.  Para Vladimir Nabokov por de trás do êxtase existe algo a mais que se fundamenta em tudo o que se ama.

O sentimento que brota da junção do sol e com a pedra é uma experiência de ficar em comunhão. Onde a transposição da energia do sol serve de parâmetro de visualização da pedra que nada teria a oferecer se não permitisse sobre sua constituição o reluzir da luz sobre si mesmo para ser indicativo de existência. A integração aos pares torna toda experimentação entre os elementos que se interagem uma transformação única (UNA).

Pode se racionar o fenômeno descrito acima como um movimento de integração com o universo onde todos estão inseridos dentro de lógicas e parâmetros singulares e distintos.

Para Freud a êxtase e comunhão reproduz-se na existência de um elo absoluto entre o ego e o cosmos.

O ego inclui-se tudo, mas ele é agente de separação de um resíduo de nós mesmos e o mundo a nossa volta, em que a realidade se cristaliza como formas operantes.

O mundo externo nasce dentro do bebê quando ele se adpta para reproduzir dentro de si uma nova forma de encapsulamento fetal, em que o útero deixa de ser a natureza mãe, para a ser a natureza Gaia. Então o bebê ao absorver o mundo se constitui como indivíduo ao manifestar o mundo dentro de si.

O mundo interno depende das formas de manifestação do mundo externo. O patogenismo da sessão psicanalítica encontra-se com o princípio abstrato da migração do parto.

Então a ancoragem em elementos como Fé torna a associação do que é belo algo não condicionado meramente aos aspectos tangíveis e racionais do processo de formação psíquica do indivíduo.

A Fé, no seu laço existencial para com o mundo e o universo é a disciplina de abandonar memória e desejo. A compreensão de um movimento estético para suprir o desejo de uma força superior.

Deste mecanismo de fusão com o absoluto ou universo brota uma sensação de ser reconhecido pelo seu dono  e pertencimento uno.

Então analogamente o verso ao unir palavras em equilíbrio sinfônico serve como uma metáfora de Fé e uma ponte sem pilastras.

Nem sempre é preciso ter Fé para atravessar uma cesura, porém a sensação de amparo torna indescritível o senso de equilíbrio e unidade que passar por uma cesura permite o alcance como um objeto amado.

Quando criamos a crença por uma relação de produção racional o modus de pensar operante entra em falência, então uma ponte irá servir apenas para sua função de transição e não se encontrará nada lá que simbolize uma troca entre pares que permita uma partilha singular de algo que se introjecta e introjetando é capaz de repassar e retransmitir conhecimento de um eixo a outro.

E onde se encaixa o Analista e seus processos de contratransferência ao permitir incorporar a cesura do analisando dentro de si? Se o analista sinalizasse para si mesmo ou para o analisando a ampliação da fantasia como estrutura parametral isto representaria o retorno do recalcado.

Na religião a Fé relaciona-se a Deus e na psicanálise seus componentes internos. Ele está presente no esforço em que uma mãe se dedica a um bebê.

A aproximação da psicanálise com o objeto estético cria uma instância metafórica em que o indivíduo ao se implicar passa a ignorar o analista a pronunciar frases que dizem respeito ao seu próprio raciocinar como uma reprogramação através de um inflexão de seu desejo de se libertar da angústia inquisidora. Então está o analisando a construir uma obra em que tenta fugir da ilusão para a construção de uma identidade de real significação para a geração de sua liberdade cognitiva.

Natureza e arte são formas de manifestação do psíquico. Borboletas e ninfas desenvolvem complexas ilusões em suas asas para fugirem dos predadores. Assim também constituem-se os seres humanos a copiar existenciais.

A vida é uma promessa, uma necessidade desmantelada desejando nascer.  E o mundo moderno orientam as pessoas a se guiarem pelo engano em busca de uma verdade, por um direito ou desejo de nascer novamente no útero do universo. Puro viés da desarmonia e arte. Sinais negativos aos obstáculos do conhecimento.

A transferência negativa pelo surgimento do ódio com o amor geram fontes de resistências às mudanças. O homem é um animal de rebanho, o peso da presença física do indivíduo. É o relacionamento a proximidade turbulenta entre duas mentes: a familiar cujo registro está presente no indivíduo; e a desconhecida onde inexistem registros mnêmicos.

Por isto a relação do paciente com o analista é tão difícil de ser encarada por parte do paciente. Porque se enquadra dentro do aspecto do desconhecido na visão do paciente que tem que se ajustar diante de um anônimo que nada sabe e nenhum tipo de vínculo permite a integração de seu desejo de permutar suas vicissitudes existenciais.

O grupal é aberto para o progresso e para a abertura da fantasia, porém se esbarra nos entraves do questionamento filosófico latente. Uma obra de arte seja ela boa pode tomar o lugar do analista. Porque uma comunhão artística não se compara ao trabalho psicanalítico.

O infante e a mãe e as fantasias publicadas por ela torna a mãe primeiro vínculo de contato da criança para com o mundo. Onde a criança visualiza sua mãe como extensão de seu próprio corpo e não uma cesura de si mesmo.

A aproximação da criança gera uma aposta total do bebê pela vida. O ódio na relação com os objetos é mais antigo que a própria constituição do amor.  A palavra correta para o bebê não podia ser comunhão, pois conforme visto antes tudo era para o bebê uma coisa só.

É difícil reconhecer o limite do que está dentro e fora (Garrafa de Klein). Primeiro começa da vida mental que não se sabe bem o que está dentro e fora. Nela se reproduz o fenômeno de alma, ou mente, ou afirmação.

Na mente, o indivíduo gera afirmações que se entrelaçam desejos na forma de apreensões de amor e ódio que são meramente perspectivas das pulsões de vida e de morte.

A migração marca os passos para o pensamento raciocinado, pensar na mãe e o recalcamento mantido.

Para trás do êxtase existe um vácuo momentâneo para dentro de si mesmo sem que haja indagação para o desconhecido.

O futuro não existe é um espectro de estilo, uma complexa qualidade estética corporal. Estilo é a cognição agindo por percepções que distinguem do pensamento cotidiano. Um grande estetista não precisa ser um homem sábio.

Uma sessão de união entre o sol e a pedra é a união de um sentimento estético vivencial para fora de si mesmo que desperta o interesse para o movimento de ser, as epifenias, as pontas do tempo, onde a poesia toda relaciona-se com sua duração.

Como a gota que cai no tempo e depois vai-se embora como diria um poeta célebre, a traduzir momentos e movimentos privilegiados que estão fora do tempo. Puro desligamento da fragmentação da mente humana.

Como uma forte emoção poética a narrar através de linhas isoladas e palavras isoladas produzida pela materialidade sonora dos ícones e das ideias.

Pulsão de vida que corre por trás das linhas e desaparece ao introjetar-se seguida de ressignificação, na identificação do amor a perceber o tempo por uma ação de eventos entrelaçados por uma sincronização cósmica.

Pura reedição do passado pelo viés do psicanalista, cuja repetição é a própria preservação do passado que curva sobre o presente a gerar pressão sobre o presente, na geração de uma memória verbal e emocional. Memória esta involuntária que leva a processos de vivência do medo, onde a memória ancestral é trazida à luz da constituição psíquica do indivíduo.

Então se alcança os abismos do pensamento de quem sofre e os espaços ocultos do universo. Onde a vida que se partiu, está em um processo de ajuntamento de cacos de cerâmica em que se espera a cada momento um encontro de uma parte para que o recipiente possa ser finalmente emendado e vir a se constituir em um objeto sólido e único.

Então a exaustão cognitiva sem esperança de unidade conceitual cria densos movimentos compensatórios do desejo beirando ao infinito de uma idealização que não tem repouso nas fontes criadoras.

Infinito e eterno que servem como metáforas do indivisível. Como uma agulha a fazer furos entrelaçados e transversais sobre a malha sinuante de um vestido de pregas, que ao se colocar em uma plataforma plana o tecido não se pode afirmar em um primeiro momento que apenas uma única intromissão da agulha do prego foi capaz de gerar todos os furos que se encontram de formas dispersas pela projeção da roupa.

Assim como o caminho de Édipo a perfilar-se espaçamento por toda a trama psíquica suas nuanças  em um ambiente estético perfurado.

Então encontramos novamente com a Fé e a Cesura na formação das memórias que precipitam a consciência para a expansão do microssoma de ideias em que o analisando se interconecta por processo de transferência.

Freud sintetizou a arte de tirar e não do por linguagem a uma compreensão em projetar em tirar da pedra a imagem que o paciente não é capaz de ver. Infinitas as possibilidades do desejo. A obra precisa ser bela, a alma infinita. Para eliminar a angústia frente ao infinito. Encarar o que não anda e o que não funciona.

Ninguém precisa de ilusão, mas todos necessitam do infinito. O ser humano tem um elo infinito com o cosmos. O universo é uma imersão no infinito surgindo a partir do lugar de inspiração. Por isto o tema da Fé leva o homem ao infinito.

Para quê viver caminhando afinal de contas? Não é? O analista é persistente em um processo de fundição profunda da alma do sujeito. O sertão é a natureza do homem. Sertão se diz. Sertão vem.

A vida sem a religião seria intolerável. A psicanálise é uma delicada alquimia de construção à dois em que pode-se oferecer compreensão a quem dela venha a necessitar.

Compreender é descrever o processo que se observa. O analista deve poder cegar-se do abstrato para poder enxergar melhor.

É preciso saber controlar o fluxo de ideias e memórias, bem como o fluxo da respiração. Tocar o pulso do companheiro de jornada, dentro do seu coração.

É preciso negociar com o absurdo que requer a rara arte da paciência, tão excluída do mundo do século XXI.

O analista busca compor a obra, a arte das cesuras que ela pode ajudar a quem precisa suportar a angústia do infinito.

No quadro A Pastoral Tarsila do Amaral nos ensina a fé numa ponte sem pilastras, ao mesmo tempo em que nos induz a acreditar no nosso repentino distanciamento com o nosso passado ancestral integrados diretamente na natureza. Em que Tarsila se veste de pastora para nos informara que a capacidade mental do homem brotou da arte de duvidar. É portanto preciso reinventar e ousar para o enfrentamento do infinito.(Conteúdo assimilado da apresentação da Psicanalista Jansy Berndt de Souza Mello e comentários da escritora Maria Lúcia Verdi.)

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