Dias dos Pais – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Confesso que já escrevi no dia dos Pais, artigo bem semelhante ao que estou escrevendo, mas hoje escrevo para dois advogados, e para quatro filhos, dois filhos e dois netos. E é para esses dois netos, Matheus e Bernardo, que escrevo uma parte desse artigo. Cada época da vida, cada estágio vivido, anda sempre grávido de ações e emoções que, se forem percebidas e vividas, nos fazem emergir do fundo de nós mesmos. Mas, se ao contrário, elas passarem despercebidas em nosso dedilhar cotidiano, a vida perde em intensidade e encantos. Imagino, nesse devaneio, a paisagem de afetos que dormita no peito dos avós quando aguardam a chegada dos primeiros netos. Um tempo novo, outro ponto do ciclo da vida, outras tarefas, descobertas e experiências.


A gente está mais pronto para ser avô que para ser pai. Embora ninguém possa escrever a história do que poderia ter sido, um neto ao chegar, resgata a vida mais intensa, a alma infantil liberta, os olhos vagabundos daqueles que andavam esquecidos de brincar ou de “comer as montanhas e beber os mares” como dizia Neruda. Há sentimentos em nós que não precisam ficar claros para existir. Estão aí, precisam apenas ser contatados. Eles moram em nós como um fóssil de significação, aguardando o tempo de serem compreendidos e vividos. Ser avô, avó, são experiências e sentimentos que estão como fóssil em nós, até que a vida se emprenhe de uma nova vida. Os netos não fazem nenhum milagre, mas podem renovar a vida da família, torná-la de novo intensa e brincante, sobretudo naqueles que mantêm acesa a chama do sonho e da liberdade, porque é isso que se pode partilhar com netos: sonhos e liberdade. Por sua vez, os avós devem viver a coisa que lhes é mais preciosa: a tarefa do amor, com a cumplicidade e a sabedoria de quem conhece a estrada e não teme a imaginação.

Os pais vivem outras tarefas, a de cuidar, de ordenar, educar, dar limites, disciplinar a vida dos filhos. Mas os avós, estes sim, podem misturar-se aos netos, falar-lhes a mesma linguagem, traçar com eles planos secretos, criar palcos para a encenação de mágicas, fantasias. Há quem pense que a utilidade dos avós é marginal. Enganam-se. Seus corações são como um albergue aberto por toda a noite. Ao lado dos netos, arquivam reclamações costumeiras, inventam ramalhetes de sonhos, fantasias e palavras. E inscrevem na experiência infantil a ordem do amoroso pela vida. Neste dia tão especial que é o Dia dos Pais, mais do que presentes e almoço, o que quero mesmo é dizer algumas palavras a vocês, amados filhos e netos. Palavras que não soem como desculpas, mas sim como uma reflexão que faço de todos estes anos de convivência, ensinamentos e aprendizado; e de esperança em construir em vocês um alicerce seguro que possa suportar para sempre, em qualquer época, os solavancos desta vida, para que vocês sejam sólidos de educação, caráter, dignidade, honra, respeito ao próximo e religiosidade. Deste modo, quantas vezes gostaria de ser melhor para vocês e simplesmente não consigo.

Quantas vezes corria pra casa no fim do dia, mas uma coisa ou outra não permitia que eu chegasse em tempo de encontrá-los acordados.

Quantas vezes disse não, mesmo que este “não” seja penoso, me deixasse triste; é o não da razão que vive sob constante ameaça do “sim” que vive lá no fundo do coração.

Quantas vezes fiquei acordado até tarde da noite à espera de sua febre baixar, ou do telefone tocar avisando que a festinha ou o show terminou.

Quantas vezes dilacerei meu coração ao vê-los chorando por algo que não pude dar, mas aproveito para alertá-los de que na vida nem tudo que se quer se pode ter.

Quantas vezes sofro com vocês, quando em alguma esquina da vida trombam de frente com uma decepção ou desilusão.

Quantas vezes deitei ao lado de vocês e fiquei ali, quieto, sentindo aquele cheiro que não sairá de minha lembrança mesmo após toda vida se passar e eu sendo um velho pai. Aos netos, quantas vezes tirei-os da cama dos pais e levei para minha e acalentei-os.

Quantas vezes sou chato por orientá-los insistentemente sobre uma conduta saudável e responsável, ou tento avisá-los de situações de risco, como se pudesse evitar que aprendam doloridamente com os próprios erros.

Quantas vezes fui superprotetor, na ilusão de que poderia poupá-los de trafegarem por estradas mal sinalizadas, esburacadas, escorregadias e com curvas perigosas, na inocente pretensão de protegê-los da vida.

Quantas vezes, nas dificuldades da vida, deparo-me com situações onde é preciso tomar decisões, e rejeito enveredar pelo caminho mais fácil e lucrativo que põe em prova a integridade de meu caráter, a minha dignidade e honestidade, para assim, reencontrar com vocês com a cabeça erguida, e deste modo olhar fundo nos seus olhos, sem a cortina da vergonha e da culpa a nos separar.

Quantas vezes preciso ser firme e colocar limites nestas vidinhas, para ensiná-los que o mundo é infinitamente maior que nosso lar, e que vocês têm que aprender a viver em coletividade, respeitando o próximo e sabendo que não são seus todos os doces da bonbonniere.

Quantas vezes no ímpeto de protegê-los tomo para mim o leme desta embarcação e passo para vocês a imagem de herói, de que sou o maior, o único que pode mantê-los em segurança; perdendo a oportunidade de ensiná-los que somente em Deus encontraremos infalibilidade, segurança, proteção e forças para resistir. Somente n’Ele que é Pai dos pais, das mães, dos filhos e de toda a humanidade.

Quantas vezes poderia ter feito mais! Ter sido mais amigo, entusiasta, confidente, companheiro, cúmplice, disciplinador, participativo, compreensivo. Não importa a idade de nossos filhos, ainda é tempo de recomeçar, arregacemos as mangas e mãos-à-obra. Sinto-me orgulhoso meus filhos e netos, por ser pai e Avô de vocês.

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