Discurso de Frânio Lima – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Caros leitores (as), deixo de escrever sobre assuntos que normalmente escrevo no Correio, e reproduzo aqui um discurso, do laureado Franio Lima, homenageado pela Procuradoria Geral do Estado, onde foi Procurador Geral durante oito anos, recebendo a medalha de mérito. O faço, pela peculiaridade didática, irrepreensível que serve aos novos procuradores do Estado e até para a academia.


Sr. Procurador-Geral, Dr. Giordano Bruno Costa da Cruz, Senhoras Procuradoras do Estado, Senhores Procuradores do Estado, Demais Senhoras e Senhores que nos honram com suas presenças

Próximo do fim de 2022, no desfecho de entrevista que viria a ser publicada pela Revista dos 50 Anos de nossa Instituição, permiti-me dirigir este misto de advertência e exortação aos colegas:

“A PGE – saibam todos – não é lugar para quem com ela não queira compromissos.
Amá-la, se acontecer!

Respeitá-la e fortalecê-la, obrigatoriamente!”

Agora, passados onze meses daquele momento, tocado pela convocação para vir receber a honrosa Medalha do Mérito da Procuradoria Geral do Estado – o que muito agradeço -, o meu íntimo me determinou fazer o que considerei oportuna e necessária autocrítica, para confrontar o que eu, ali, pregara com o que eu, aqui, antes, fizera.

Foi, então, uma sincera conversa de mim para comigo. E, ao fim, sem receio de parecer piegas ou vaidoso (e quem bem me conhece sabe que não cultivo defeitos como esses), posso dizer: Respeitar e procurar fortalecer a PGE foi uma constante em meu comportamento, por entender, sim, ser conduta obrigatória para um membro dela. Mas – sim, sim -, o amor aconteceu, não sabendo eu precisar quando nem como.

Ingressei na PGE a 26 de fevereiro de 1976, já no ciclo dos trintanos, e dela vim a sair somente três décadas e meia depois, a 19 de outubro de 2011. Minha admissão se deu sob o império da Lei n.o 1.057/72, que quatro anos antes institucionalizara o Sistema de Apoio Jurídico do Estado e alterara para Procuradoria Geral do Estado a até ali denominada Procuradoria Judicial do Estado. Por tal diploma, foi imposta à PGE, no art. 4.o, a condição de “órgão subordinado diministrativamente à Secretaria de Justiça” (como já o era o Ministério Público). E, na linha dessa subordinação, o art. 8.o estabeleceu que, “em suas faltas e impedimentos, o Procurador-Geral do Estado será substituído por um dos Procuradores Judiciais (como eram denominados os Procuradores que constituíram o seu quadro inicial), a critério e por designação do Secretário de Justiça.”

Conquanto a histórica lei haja sido o sit lux da PGE, a dependência que com ela veio foi, ao longo dos seus seis primeiros anos, tornando-se um incômodo cada dia mais sentido. Era, enfim, uma trava para o necessário fortalecimento da jovem Instituição.

No início de 1982, então afastado da Procuradoria para exercer o cargo de Subsecretário de Justiça, vi como apropriada a ocasião para começar-se a fazer ali, no seio mesmo do órgão subordinante, algo de efetivo no sentido de livrar-se a Instituição daqueles grilhões. Assim, em harmonia com Jayme Maués – à época, Subprocurador-Geral na Administração Daniel Isidoro de Melo -, propus-me elaborar um anteprojeto destinado a conferir à PGE o que seria o seu primeiro assento na Constituição Estadual.

Esse propósito veio a ter a consequência objetivada a 6 de dezembro do mesmo ano, com a Emenda Constitucional n.o 16, cujo art. 3.o, ao substituir o texto então constante do art. 59 da CE, inscreveu no caput deste a primeira referência constitucional à PGE e estabeleceu no seu interior, entre outras mais disposições, a seguinte:

§ 3.o – O Procurador-Geral do Estado, nomeado pelo Governador dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, tem as mesmas prerrogativas e privilégios dos Secretários de Estado. (Gg.nn).

(Por obséquio à exatidão, registre-se que a mesma EC reescreveu a Seção V do Capítulo IV, Título I, da Constituição, ampliando o que aí já estava assentado em relação ao Ministério Público).

Extirpou-se, dessa maneira, aquele que era um fator de inibição do crescimento da Procuradoria, dando-se-lhe a autonomia desejada.

O texto do citado dispositivo perduraria como tal durante os sete anos seguintes. Promulgada a “Constituição Cidadã da República”, adveio, em 1989, a tarefa de elaboração do Capítulo da PGE para a nova Carta do Estado, a oferecer-se à Assembleia Constituinte Estadual.

Formado um grupo de Procuradores com esse escopo, incluíu-se em nossa proposta, entre outros marcantes e ousados avanços, estas duas garantias aos membros da categoria:

1 – não serem demitidos senão por decisão judicial irrecorrível;
2 – serem julgados perante o Tribunal de Justiça nos casos em que forem acusados de infrações penais comuns, ressalvadas as competências previstas na Constituição Federal.

Com uma e outra, pretendeu-se conferir aos Procuradores prerrogativas iguais às que a Magna Carta de 1988 conferira aos membros da Magistratura e do Ministério Público. Acolhidas pelos deputados constituintes estaduais, foram ambas inseridas no texto original do art. 100 da CE de 1989.
Obteve-se, assim, uma expressiva conquista para a categoria.

Pertinentemente ao privilégio de foro, a propósito, oportuno é destacar que, invocado pelo menos uma vez em caso concreto, veio ele a provocar o arquivamento de temerária ação intentada no âmbito do Judiciário do Distrito Federal por influente pessoa contra uma Procuradora pelo “crime” de exercer com altivez a regular defesa do Estado em uma ação fiscal.

Todavia, esse benfazejo mandamento e o referente à indemissibilidade de Procurador do Estado do Amazonas a não ser em decisão judicial definitiva viriam a ser revogados – certamente por obscuros sentimentos –, o que se deu com a Emenda n.o 36.

A eliminação, entretanto, não se fez sentir por muito tempo. Com efeito, em maio de 2004, quando mal se completara o sexto mês de nossa presença à frente da Procuradoria, submeteu-se ao Governador Eduardo Braga um anteprojeto de emenda constitucional pela qual – incluído o restabelecimento das duas questionadas garantias – era dada nova redação a praticamente toda a Seção da Constituição dedicada à PGE, vale dizer, do art.94 ao 101 da Carta.

O então Chefe do Executivo, que jamais negou o seu decisivo apoio à Instituição, prestigiando-a sempre com sua sensibilidade e acuidade ímpares, logo encaminhou a proposta à Assembleia Legislativa. Aprovada sem restrições, tornou-se ela a Emenda Constitucional n.o 48, promulgada a 3 de junho daquele ano com significativas disposições, entre as quais estas:

• Efetivação da autonomia administrativa da Procuradoria, sendo atribuída ao Procurador-Geral competência para prover os cargos em comissão da estrutura do órgão. (Nesse item, aliás, por iniciativa da própria PGE, foi uma exceção aberta: permaneceu com o Governador o provimento do cargo de Corregedor, isso para ornar tal figura de independência bastante até em face do Chefe da PGE);
• Expressa garantia aos Procuradores de independência na formulação e expressão de suas opiniões técnico-jurídicas em parecer ou despacho de seu ofício:
• Faculdade de requisição a qualquer órgão ou entidade da Administração Pública Estadual de informações escritas, exames, esclarecimentos e diligências necessárias ao cumprimento das funções procuratoriais;
• Competência para determinação da inscrição e promoção do controle da cobrança administrativa e judicial da dívida ativa do Estado e o seu cancelamento;
• Fixação da interpretação das leis e promoção da uniformização da jurisprudência administrativa entre os órgãos e entidades do Poder Executivo
• Controle da observância dos princípios constitucionais impostos à Administração Pública e promoção de declaração de nulidade, anulação ou revogação de atos da Administração Pública Estadual.

É indiscutível a relevância dessas garantias para a Procuradoria. Mas não quer isso significar que, só por si, já sejam bastantes. Consolidá-las continuamente é tarefa que se impõe sem esmorecimentos. A tenacidade com que há muito é buscado o progressivo fortalecimento do órgão não se dá como uma caminhada sem sentido ou com propósitos menores. Tem em vista, antes, torná-lo uma instituição do mais amplo espectro em sua área, para o cumprimento com maior autoridade das altas finalidades que possui. Afinal, como definida pela Constituição do Estado, é a PGE órgão essencial à defesa dos interesses do Estado.

Estaria aí, sem dúvida, o caldo de cultura do meu confessado amor pela Procuradoria Geral do Estado. Estou convicto de que a participação havida na busca do fortalecimento de nossa Instituição teve – mal escondida – a real companhia de tal sentimento.

Contudo, no fecho de minhas reflexões, concluo que o quanto foi conquistado não chegou a ser muito diante do tanto devido à Instituição. Por isso, a autocrítica realizada – intencionalmente severa – me leva ao lamento do compositor-poeta Sérgio Britto Álvares Affonso em sua tocante canção Ëpitáfio: “Devia ter amado mais”.

Ao fim, expresso minha gratidão aos colegas com quem convívi e aprendi em seus exemplos como assentadores dos primeiros alicerces da Procuradoria. Nessa relembrança, avultam as figuras fundamentais de Jayme Maués, Roosevelt Braga dos Santos, Onesmo Gomes de Souza, Moacyr da Silva, Daniel Isidoro de Melo, entre tantos outros. Presto reverência também a Oldeney Valente, com cuja altivez e competência no exercício do cargo de Procurador-Geral a PGE ganhou destaque, conquistando muitos avanços.

É infindável o rol dos demais Procuradores que, no desempenho de suas atribuições institucionais, contribuíram decididamente para a consolidação do respeito conquistado pela PGE. Citá-los um a um seria tarefa de grande justiça e não enfadonha, dada a expressividade de seus méritos. Do mesmo modo, não haveria como deixar-se de mencionar a importância do dedicado apoio oferecido pelo quadro funcional.

A todos, no que me compete, apresento o devido reconhecimento.

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