Em nome de Deus – por Carlos Santiago

Carlos Santiago é Sociólogo, Analista Político e Advogado

Pesquisa Global Religion 2023, produzida pelo Instituto Ipsos, mostra que 89% do povo brasileiro acredita em um ser superior, em Deus, e 76% da população segue uma religião. Então, o Brasil é o país do mundo que mais crê e, é também, onde as religiões possuem papéis destacados na organização da sociedade, pois a religiosidade carrega valores morais e práticas sociais. Mas, será que a crença em Deus e as religiões estão tornando o Brasil um lugar melhor para viver?


Não é um embate sobre a existência ou não de Deus. Há na Filosofia e na Teologia quem defenda a existência de Deus a partir da constatação de que o mundo, com essa beleza panorâmica, só pode ter sido obra de um criador, um ser superior; Deus é a primeira força que faz tudo se mover, Ele é origem de tudo; Deus é um ser perfeito. Se há perfeição, essa seria Deus; Ele é a essência em tudo que existe. A reflexão é, portanto, sobre a estrutura social, econômica e política de um povo extremamente crente e muito religioso, por meio de suas ações e de indicadores sociais.

Como essa expressiva crença num ser superior e com pessoas praticantes de religiões, devidamente legais, conseguem aceitar o Brasil entre os países mais violentos do mundo? Os estupros de mulheres, as perversidades contra crianças e velhos, as mortes atrozes de jovens negros e brancos nas periferias, o trânsito assassino que mata milhares por anos, os genocídios de povos indígenas e a existência de facções dominando áreas urbanas e o medo de morrer, de forma banal, são realidades.

A violência é cultural. Filmes violentos, novelas movidas por personagens perversos e violentos, programas televisivos policialescos, manchetes de jornais com imagens de violência e competições envolvendo lutas corporais, alcançam grandes audiências. Os protagonistas são tratados como ídolos.

Como essa expressiva crença num Deus e a maioria absoluta da população apoiada em diversas religiões, foram capazes de aceitar um país com uma cultura política movida por corrupção? Nos últimos anos, vários escândalos de desvios de dinheiros públicos, operações da Polícia Federal contra sonegação fiscal, licitações fraudulentas, enriquecimento ilícito, compras de sentenças judiciais e leis para anistiar corruptos, são exemplos tristes da realidade do Brasil.

Como essa crença significativa e a maioria de um povo com práticas religiosas foram capazes de manter um país tão desigual? Milhões de brasileiros e brasileiras estão vivendo na miséria, na pobreza e na insegurança alimentar; com 21 milhões de lares que, para sobreviver, recebem o auxílio financeiro do programa Bolsa Família; com 16 milhões de pessoas morando em favelas e com mais 281 mil homens e mulheres em situação de rua. Uma triste realidade!

O Brasil é o país do preconceito social, regional, linguístico e até de crenças, além do desprezo ao meio ambiente, onde há lutas violentas por terras e por águas.

Será que a crença e as práticas religiosas não foram suficientes para produzir um ser humano melhor, um Brasil com políticas e políticos com qualidades? Não é raro encontrar políticos produzindo fake news e ódio para conquistar poder; envolvidos na velha política do toma lá dá cá, com interesse somente pessoal ou de pequeno grupo; que controlam parte da máquina pública há décadas, em detrimento da coletividade; bancadas religiosas organizadas por réus de crimes de corrupção. Péssima política geram os piores serviços públicos oferecidos à população.

O Deus da maioria dos brasileiros não é réu, e nem é desejável negar ou não a sua existência, mas é possível entender os atos e valores daqueles que falam em nome dele e das práticas das religiões para que saibamos como um país crente pode se constituir como um lugar tão difícil e perverso para viver. Talvez Deus e as religiões sejam usados somente para reforçar a tradição social, política, patriarcal e econômica do Brasil, historicamente tão perversa.

Carlos Santiago é Sociólogo, Analista Político e Advogado.

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