Lei Áurea: o final de uma luta que começou bem antes de 1888

A Abolição da Escravatura
A Abolição da Escravatura
A Abolição da Escravatura

Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, decretando o fim da escravidão no Brasil. Nessa época, porém, a escravidão estava em decadência como sistema econômico, o contingente de escravos era menor que o de negros livres e alforriados, o trabalho assalariado já existia e o Império estava sob pressão dos movimentos abolicionistas nacionais e da Inglaterra.

“A escravidão era uma rainha sem coroa”, segundo a professora de história do Instituto Federal do Sertão Pernambucano Valéria Costa. Nessa época, explica ela, o sistema escravagista já tinha ruído e seu fim iria chegar de qualquer forma, com ou sem a assinatura da princesa Isabel.


As origens da decadência da escravidão no Brasil começaram em 1850, segundo Valéria. As leis daquela época contribuíram para o seu colapso, como a Eusébio de Queiróz, que proibiu o tráfico de escravos africanos para o Brasil, impossibilitando a renovação da mão de obra, que já estava lutando para se libertar. Desde os anos 1840, os escravos juntavam dinheiro e compravam a própria alforria; outros fugiam para quilombos.

Havia os chamados escravos de ganho, que tinham autorização para trabalhar com a condição de pagar aos senhores metade de tudo que obtinham. Com o dinheiro, eles compravam a própria liberdade e a de membros da família. Em 1870, foi assinada uma lei que garantia ao escravo o direito de pecúlio, ou seja, proibia que o senhor confiscasse do escravo dinheiro que ele economizava.

Em 1871, foi proclamada a Lei do Ventre Livre, que libertava os filhos de escravas nascidos depois da lei. Mas seu impacto foi pequeno. A lei determinava que o senhor cuidasse dos filhos de mães escravas até os oito anos de idade, quando estes deveriam ser entregues ao Império, que pagaria uma indenização ao senhor. Mas o senhor poderia decidir utilizar os serviços dessas crianças até os 21 anos, abrindo mão do pagamento. A maioria optou por ficar com as crianças – era uma cultura senhorial, e os senhores queriam ter pessoas para servi-los, segundo a professora.

Com o crescimento do movimento abolicionista, em 1880, alguns segmentos aderiram à causa, como os intelectuais e os negros livres, que, nessa época, já eram uma parcela significante da população. Alguns abolicionistas influentes eram negros, como Luís Gama e André Rebouças e até o escritor Machado de Assis. O Estado do Ceará, em 1884, já tinha banido a escravidão no seu território, quatro anos antes da Lei Áurea. Segundo Mary, antes da Lei Áurea, os Estados do Amazonas, Rio Grande do Sul e São Paulo também já não tinham mais escravos.

O Brasil foi o último país do mundo a abandonar esse sistema. A Lei Áurea repercutiu nos grandes centros, mas existiram pequenas propriedades que levaram semanas e até meses para saber da nova lei. Depois de libertos, alguns ex-escravos permaneceram com seus antigos senhores por não terem para onde ir. Para Valéria, a libertação não lhes deu cidadania, porque se tornaram reféns da falta de trabalho e de moradia.

Nem todo negro era escravo

Para Valéria, é importante destacar que negro não é sinônimo de escravidão, porque havia muitos africanos que já chegaram no Brasil livres por terem sido resgatados de traficantes ilegais. Eles eram mandados para cá para ficar sob a tutela do Estado, e nunca conheceram a escravidão. Havia também um grande número de escravos alforriados em 1888 que já trabalhavam recebendo remuneração antes da abolição. Isso aponta para outro fato histórico importante: não houve transição da escravidão para o trabalho remunerado: na verdade, eles coexistiram durante muito tempo.

A imigração de europeus começa a partir da década de 1850, logo após a lei antitráfico. As elites escravocratas não queriam mais africanos porque eles traziam para o Brasil seus “maus hábitos” e “vícios”, como eram consideradas a música, as danças e as religiões africanas. A imigração europeia também fazia parte de uma tentativa de “embranquecimento” da população e da crença de que o europeu traria consigo uma nova lógica de trabalho, porque, ao contrário do negro, ele teria o trabalho como algo enobrecedor.

Trazer imigrantes e não dar suporte para que a população de negros livres se integrasse ao trabalho assalariado foi uma forma de isolar a população negra, porque após a abolição eles estavam disputando os mesmos postos de trabalho. Disputa em que o imigrante levava vantagem, por causa do racismo, da crença que o trabalhador branco europeu era “melhor” e “menos preguiçoso” do que o negro. Segundo Valéria, havia sim diferenças entre os libertos e os imigrantes, devido às condições em que estes se encontravam. Os imigrantes queriam juntar dinheiro e voltar para seus países, por isso aceitavam qualquer trabalho. Os ex-escravos estavam saindo de uma cultura de opressão e queriam trabalhar, mas não no mesmo sistema do qual tinham se libertado.

Após a abolição, o que existia era uma população negra desempregada e proibida por lei de comprar terras, disputando vagas com os imigrantes, em uma cultura que ainda era escravocrata e racista. De acordo com Valéria, escravidão foi uma cultura que ainda está impregnada na sociedade. Foram 400 anos de escravidão e faz apenas 126 anos que ela foi extinta. Parece muito tempo, mas as mudanças culturais podem levar séculos. “E o racismo é a marca mais cruel da herança da escravidão”, diz.(Terra)

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