Liberdade – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Nascemos, crescemos e nos tornamos adultos deitados em berço esplendido – inda que a testemunhar, parir e gestar um mar de lama que nem esse de agora e de muitos e muitos de tempos. Foram vários esses mares, dois deles, os mais conhecidos e fantásticos, levaram um presidente ao suicídio e outro ao impeachment. Outros foram tragados pelas ondas do mar e pela horda dos capetas.


Até hoje, não vejo nenhum governo que tenha escapado das gozações das CPIs: Sarney escapou de uma, a da corrupção também. Fernando Henrique se atolou na das estatais. Em Minas, Aécio Neves mandou às favas a da saúde. Lula querendo esconder a dos Correios na base da pressão: perdeu no plenário, mas colocou uma apedeuta que nem ele na presidência. Foi isso o que fez outro bobo, o Eduardo Suplicy, a chorar, chorar… Chorou, chorou, mas pediu a investigação. Pra quê? Ainda não tinham chegado aqui os meus antepassados portugueses e, pra nós, a Coroa já era aquela urupemba: em se plantando, tudo dá; e se tudo dá, de um tudo venha a nós, ao nosso Reino. Claro, em pinico de ouro não se conhece Rei mijando fora. Lembrar nem precisa, podem crer, até padres e santos se arretaram. No púlpito e nos altares cochicharam uns ao ouvido dos outros: “Senhor Deus, misericórdia”.

Um dia, está completando mais de 350 anos, a imagem de Nossa Senhora ajeitou na orelha o manto sagrado e esbugalhou os olhos pra melhor ouvir o sermão do quase baiano Antônio Vieira. O famoso padre ocupara a tribuna de Deus numa capela de São Luís do Maranhão pra condenar a corrupção da Corte e os escândalos do governo. Da largura do mar o contrabando de ouro e pau-brasil, mais alto até do que o Pascoal, o monte das safadezas. Essas palavras o levaram ao Tribunal da Santa Inquisição, dois anos e quatro meses de cadeia: “O que se tira do Brasil, tira-se ao Brasil. O Brasil dá, Portugal leva. Nem os Reis poderão ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao Inferno sem levar consigo os Reis. Os seus príncipes são comparsas dos ladrões”. Tão bom e tão santo esse Vieira, chegou ele a propor um acordo com os invasores holandeses: desde que haja paz e não se mate ou esfole mais tanto índio, permaneça Nassau em Pernambuco. Essa, sei direito não, talvez a primeira manifestação separatista brasileira. Pernambuco era quase da Bahia pra cima, até onde findassem as águas do São Francisco.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

O tal do cearense inventou, faz pouco, transformar em rios terrenos que não davam nada. A não ser falatórios. Ia dizendo, queria o Padre Vieira: Nordeste dos holandeses o resto, lá pra baixo, dos portugueses. Antes vingasse a ira sagrada. Depois, ocorreu aquele erro de português no latim de Tiradentes, descoberto por Vinicius de Morais.

O correto, segundo o poetão brasileiro, seria “Liberta que serás também” em vez de liberdade ainda que tarde. Liberdade, que é bom, quer dizer decência. E o fumo continuou entrando. Seguiram-se os buruçus, duzentos anos de guerra. As margens do Ipiranga, lá em baixo, em São Paulo, o grito de enganação. Há quem tenha escutado melhor, mas a História não conta: o grito deveria ser liberdade e morte. Morte houve, independência que é bom…Uma guerra leva a outras, outras tantas.

Liberdade quer dizer decência, mas o fumo entra, entra e nós nada. Em 1930, escangalhou-se a Velha República, a dos Carcomidos. Disseram, repetindo o padre Vieira: “Os presidentes não irão ao Paraíso sem levar consigo os ladrões. Nem os ladrões chegarão ao Inferno sem levar consigo os presidentes”. O caminho que dá pro céu pode levar ao inferno, mas o fumo entrando.

As CPIs da Câmara chegarão ao Paraíso levando os presidentes de agora e os que já se foram? E a máfia ao inferno carregando os denunciantes? Domingo, eu conto mais uns restinhos de outras sacanagens, inclusive a de Lula, eleito pelo Greenpeace como “Prêmio Motosserra de Ouro”, dado à personalidade brasileira cujo talento, ação ou inação, foram decisivos para acelerar a destruição da Amazônia.

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