Lucro para as empresas: Uma Amazônia pensada de fora para dentro – por Daniela Pantoja

Foto: Divulgação

Em Açailândia (MA) estão previstos mais de trezentos deslocamentos forçados de famílias da região de Piquiá. Já em Abaetetuba (PA), comunitários lutam para barrar a construção de um terminal de uso privado.


Uma Amazônia pensada de fora para dentro, onde os territórios sagrados, os bens comuns da natureza, a fauna e a flora e a manutenção da vida dos povos da floresta estão em constante ameaças por conta da expansão dos grandes projetos econômicos para a região.

E não é de hoje que a implantação da maioria desses projetos tem causado transtornos para as comunidades dos mais diversos estados da Amazônia Legal. Para entender como esses projetos chegaram até aqui, porque e para quem são pensados traçou-se uma linha do tempo.

De início Padre Dário Bossi, assessor da Rede Eclesial Pan Amazônica REPAM-Brasil e da Rede Igreja e Mineração, relata que a Amazônia sempre foi considerada como uma terra de conquista. “Primeiro no final do século XIX, com as oportunidades oferecidas pelo “ouro negro” da borracha e o incentivo do governo: cerca de 300mil nordestinos foram estimulados a migrarem para este bioma.

Houve depois a época do governo de Getúlio Vargas, com a chamada “Marcha para Oeste”; em seguida, no tempo da Ditadura, com o lema “integrar para não entregar”, o poder militar e econômico fomentou a ocupação de toda esta região (a inauguração da Transamazônica foi em 1972, no mesmo ano do Encontro dos Bispos da Amazônia, em Santarém, e da fundação do Conselho Indigenista Missionário – CIMI)”, declarou.

Bossi reforça que em todas estas ocasiões, a Amazônia foi pensada “de fora para dentro”, com grandes projetos considerados “desenvolvimento”, caracterizados pelo viés do extrativismo predatório: retirar matérias prima como látex, madeira, ouro, outros minérios, petróleo, gás, água, os quais necessitam de grandes infraestruturas para o escoamento dos produtos e de mão de obra barata.

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Nesse sentido, para retirar então essa matéria prima é preciso tirar o que está em cima, ou seja, as comunidades, as pessoas, os animais e toda biodiversidade de um território, tudo isso em prol do “desenvolvimento”. Só que esse “desenvolvimento” custa muito caro para as populações que foram em sua maioria deslocadas forçadamente, ou estão no entorno desses grandes empreendimentos.

PROJETO GRANDE CARAJÁS E O DESLOCAMENTO FORÇADO DE FAMÍLIAS

Um exemplo desses megaprojetos, possivelmente mais emblemáticos, são os da mineração, e o maior deles é o de minério de ferro a céu aberto localizado entre os estados do Pará e Maranhão, o projeto Grande Carajás da Multinacional Vale S.A.

No Estado do Maranhão, mais de cem comunidades são impactadas pelo fluxo de extração, escoamento e exportação do minério. O deslocamento forçado das famílias é o principal impacto deixado pela mineração, sobretudo pela logística e cadeia produtiva que giram em torno da mineração: siderúrgicas, comércio e empresas.

De acordo Valdênia Paulino, advogada e integrante da equipe de fortalecimento comunitário da organização Justiça nos Trilhos com sede no Município de Açailândia (MA), na região de Piquiá de Baixo, está previsto para este ano de 2023, mais de trezentos e doze deslocamentos forçados de famílias.

“No município de Açailândia temos a ‘Aço Verde do Brasil’, que apesar de ter um nome de verde é uma siderúrgica que respeita muito pouco o ambiente, ela incorporou inclusive a siderúrgica Gusa Nordeste S/A que é da região de Piquiá no município de Açailândia, e justamente por conta do impacto da poluição oriunda dessa siderúrgica é que trezentas e doze famílias terão que ser deslocadas. […] Depois que as siderúrgicas foram instaladas na região, as famílias passaram a ser acometidas por sérias doenças respiratórias, de pele e muitas tiveram que sair da sua casa antecipadamente. A região de Pequiá de baixo que vivia da pesca, do rio que cerca a comunidade e das roças”, detalha Valdênia.

Além dos impactos ocasionados pela estrada de ferro que transporta o minério, aumentou significativamente o agronegócio no estado do Maranhão e Pará, uma estratégia da empresa Vale S/A para o transporte do monocultivo a outros portos, que afetam fortemente a agricultura familiar.

CONSTRUÇÃO DE PORTOS EM ABAETETUBA (PA) E A VIOLAÇÃO DE DIREITOS

Por falar em portos, está aí um outro grande “projeto de desenvolvimento” que afeta inúmeras comunidades amazônicas, no qual centenas já foram instalados para exportação de cargas de grãos.
No entanto, algumas comunidades travam lutas diárias para barrar a instalação desses grandes empreendimentos, que violam os direitos das populações e da natureza.

Hueliton Azevedo, morador da Ilha do Capim em Abaetetuba (PA), é um dos comunitários que tem se dedicado incansavelmente para não deixar que seu território seja destruído pela implantação de um terminal de uso privado da empresa Cargill.

Além de ser morador da região, Hueliton é doutorando em agrossistema na Universidade Federal de Santa Catarina, no qual estuda que essas localidades são de uso comum, ou seja na região onde se pretende instalar o terminal são os chamados assentamentos agroextrativistas. A obra quer tomar cerca de 350 hectares do Projeto de Assentamento Agroextrativista Santo Afonso, na Ilha Xingu, atingindo também dezenas de comunidades.

Hueliton afirma que essa tentativa da proposta de implantação do terminal é considerada um crime contra o direito à terra e ao território. “Primeiro porque ela desconsidera o direito a consulta prévia livre e informada da comunidade tradicional local, que está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Então, a empresa não está respeitando essa convenção, a comunidade local não foi consultada ‘pra’ saber se ela aceita que seja implantado o terminal. Além disso, a empresa defende de uma forma muito oportunista que a comunidade administrativista local não é uma comunidade tradicional”, ressalta.

Já no caso da violação de direito à natureza há uma situação local de muitas espécies ameaçadas de extinção, o morador da Ilha do Capim ressalta que existem duas espécies de peixes-boi ameaçadas de extinção, com o tráfego de barcaças e navios existe a possibilidade da perda total de espécie. Além disso, entre a Ilha do Xingu e a Ilha do Capim existe um território pesqueiro chamado de ‘Furo do capim”, que é tanto um local de pesca quanto um berçário de reprodução de peixes. Caso o terminal de uso privado da Cargill seja implantado todo o berçário será destruído.

UMA AMAZÔNIA QUE PENSA NA AUTONOMIA E MANUTENÇÃO DOS POVOS

Se para os grandes projetos a lógica segue um ciclo destrutivo, a exemplo da mineração e da implantação de portos, a convivência dos povos em harmonia com os biomas é que precisa ser reconhecida e potencializada, mostrando que é possível sim, uma economia do Bem Viver na Amazônia, como explica Padre Padre Dário Bossi, assessor da REPAM-Brasil e da Rede Igreja e Mineração. “Há uma outra lógica que precisa ser reconhecida e potencializada. É a convivência dos povos em harmonia com os seus biomas, como por exemplo testemunha há milhares de anos a sabedoria ancestral indígena. Muitos, utilizando o parâmetro do “desenvolvimento” nas categorias do consumismo, acham que estas culturas são atrasadas. Na verdade, elas desenvolveram a tecnologia mais sofisticada do equilíbrio e da convivência, muito mais “desenvolvida” de nossas soluções de destruição. [..] É possível sim uma economia do Bem Viver na Amazônia, em escala local, como apresentam as recentes publicações sobre a “bioeconomia bioecológica”: soluções locais apoiadas em diversidade, reuso de matéria e energia, manejo ecológico de espécies e das interações interespécies, redução de insumos e fontes de energia externas ao sistema”, finaliza Bossi.

É nesta perspectiva que a Amazônia deve ser pensada de dentro para fora, quando os olhares se concentram, exclusivamente, naquele que mantém a floresta em pé, os povos que ali habitam.

 

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