Pesquisadores fazem escavação no Solimões para identificar sociedades indígenas

Instituições realizam escavação arqueológica para identificar relação entre sociedades indígenas do Médio Solimões.

Em uma pequena área cavada na terra, de dois metros por um, dois pesquisadores trabalham. Com uma pequena colher, dessas que se usa em construções civis, eles raspam delicadamente as partes da unidade – como é chamada a área de escavação – retirando pouco a pouco a terra que está ali. Quem pode imaginar o que estaria escondido por baixo da terra? Por horas, sob o sol escaldante do Amazonas e entre os insistentes mosquitos que os cercam, os pesquisadores se ajeitam para realizar o trabalho, tentando não atrapalhar um ao outro e com cuidado para não encostar nas paredes ou desmanchar as formas já descobertas na terra.


A cena descrita aconteceu no último mês. Mais de dez pessoas, cerca de um mês em atividade de campo e muitos vestígios arqueológicos coletados para análise. A equipe de pesquisa se dedicou à escavação no sítio arqueológico localizado próximo a uma comunidade ribeirinha, na foz do Lago Caiambé, zona rural do município de Tefé (AM). O trabalho foi realizado por uma equipe de diferentes instituições, parceria entre os pesquisadores do Instituto Mamirauá, da Universidade Federal do Sergipe (UFS), do Museu de Etnologia e Arqueologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), por meio do Centro de Estudos Superiores de Tefé (Cest).

Instituições realizam escavação arqueológica para identificar relação entre sociedades indígenas do Médio Solimões.
Instituições realizam escavação arqueológica para identificar relação entre sociedades indígenas do Médio Solimões.

A escavação faz parte de uma pesquisa que busca desvendar a história da ocupação humana na região, antes da chegada dos colonizadores. A área estudada possui uma diversidade de vestígios arqueológicos cerâmicos, produzidos por populações indígenas na antiguidade. Nessa pesquisa, Rafael de Almeida Lopes, mestrando da UFS, investiga duas tradições culturais de produção cerâmica tradicionalmente encontradas na região do Médio Solimões. “Buscamos entender como se deu a presença dessas populações que produziram as cerâmicas arqueológicas que encontramos aqui, tanto as cerâmicas da Tradição Borda Incisa quanto da Tradição Polícroma”, explicou Rafael.

De acordo com o pesquisador, a hipótese é que populações de diferentes aldeias, que produziam cerâmicas com técnicas e metodologias distintas, estavamse relacionando. “Acreditamos que haja a presença de material da Tradição Borda Incisa junto com material da Tradição Policroma, o que sugere que talvez essas pessoas estavam trocando as cerâmicas ou fazendo rituais juntos, ou se vinculando por relações de casamentos, coisas do gênero”, disse o pesquisador.

No sítio arqueológico foram escavadas três unidades de 1 a 2m².
No sítio arqueológico foram escavadas três unidades de 1 a 2m².

No sítio arqueológico foram escavadas três unidades de 1 a 2m². Ao longo do trabalho, os arqueólogos escavam aprofundando nível a nível, até que os vestígios já não sejam mais encontrados. O arqueólogo do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Eduardo Kazuo Tamanaha, descreve que esse trabalho busca recuperar os vestígios deixados pelas sociedades do passado. “Esses vestígios, quando estavam inteiros ou eram utilizados por alguém, representaram uma cultura, um momento da história. Basicamente, aquele antigo utensílio serviu a algum propósito na sociedade. E nós, arqueólogos, tentamos reconstruir essa história antiga através desses objetos e seu contexto”, contou.

Além das cerâmicas encontradas pelos arqueólogos nas unidades, que muitas vezes estão divididas em pequenos fragmentos, durante a escavação, também foram coletados materiais associados às peças, como terra preta de índio e outros fragmentos que podem ser pedaços de pedra, carvão ou ossos. Todo esse material será triado e analisado em laboratório e ajudará a identificar o contexto em que as peças foram utilizadas. Se eram utensílios para produção de alimentos ou utilizados em algum ritual funerário, por exemplo. Uma parte das amostras também irá passar por um processo de datação, para identificação do período de ocupação da região.

“O que estamos trabalhando é a história de longa duração dessas populações. A gente pode ter uma ideia, por meio da cerâmica, de algumas transformações e continuidades ao longo do tempo. Como todas as populações humanas, apesar de terem muita continuidade, elas tinham seu dinamismo. A própria produção de terra preta é interessante, esse é um processo que a gente acredita que é gradual, ao longo do tempo. Mas, se a gente tem indícios dessa ocupação antes da terra preta, por exemplo, a gente pode pensar qual foi o momento em que a forma de manejo de paisagem começou a gerar essa terra preta, com grande quantidade de carvão, etc.”, comentou Rafael.

A terra preta de índio é muito encontrada no território amazônico e está vinculada às antigas ocupações indígenas da região. Esse tipo de terra, muito fértil, é formado por um aglomerado de grande produção e descarte de matéria orgânica nesses locais. Nesse substrato, normalmente, também é encontrado muito material carbonizado que, ao ser analisado, ajuda na compreensão do tipo de madeira e frutas que eram consumidos pelos indígenas naquele período, entre outras coisas.

Rafael explica que o trabalho ajuda a pensar como essas populações estavam lidando tanto com o ambiente natural, quanto com o contexto social em que elas viviam. “Quando estudamos história, ainda estudamos muito da história europeia. Nós estamos buscando compreender a história indígena pré-colonial e valorizar isso dentro da realidade nacional atual. Como essas populações lidavam umas com as outras, antes do contato com os europeus? Quais as formas criativas que elas tinham para lidar tanto com o ambiente, quanto com os problemas sociais internos a elas? “, completou o pesquisador.

A área não foi escolhida pelos arqueólogos aleatoriamente. Entre as décadas de 1950 e 1960, o arqueólogo alemão Peter Hilbert realizou uma expedição por grande parte da Amazônia em busca de vestígios arqueológicos na região. Entre essas áreas visitadas, estava a região do lago Caiambé. De acordo com Eduardo Kazuo, os vestígios encontrados por Hilbert naquela região e na cidade de Tefé eram diferentes de outras áreas e, por isso, acabaram definindo duas antigas expressões culturais do Médio Solimões nomeadas de: fase Caiambé e Tefé, dois conjuntos cerâmicos regionais que fazem parte da Tradição Borda Incisa e Tradição Polícroma, respectivamente.

Eduardo Kazuo ressalta que Hilbert foi um dos pioneiros a estudar a bacia do rio Solimões. “Peter Hilbert foi o primeiro arqueólogo que fez uma pesquisa sistemática na região. Antes dele, somente alguns pesquisadores, exploradores e viajantes relatavam sobre os vestígios das antigas aldeias indígenas. Então, ele teve um papel importante por inserir o Médio Solimões na arqueologia mundial”, afirmou o pesquisador.

De acordo com Eduardo, a nova geração de arqueólogos tem se esforçado para revisitar os sítios identificados por Hilbert e outros arqueólogos de sua geração. “Queremos ampliar as escavações, responder algumas perguntas levantadas por esses pioneiros, criticar algumas questões respondidas por eles, etc. A ideia é refinar a informação e preencher lacunas”, completou.
Para assistir ao vídeo da escavação acesse www.youtube.com/watch?v=qIqxYU21m4w

Texto: Amanda Lelis

Artigo anteriorCassação no TSE vai assombrar Temer em 2017
Próximo artigoVigilante é morto após casa ser invadida por assaltantes

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui