Senha para o amor – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

José Pereira era funcionário público no interior, mas precisamente em Nova Olinda do Norte. Temperamento alegre e extrovertido, mas pirracento quando se tratava de política, pensava como o personagem de Machado de Assis que a “vida é uma ópera bufa com intervalos de música séria”. Levava a maioria das situações na troça e fazia delas motivo para rir a bandeiras despregadas quando ele mesmo relatava a maioria dos casos em que se envolveu.


Casou-se com Jaqueline, uma bonita professora da cidade, donzela recatada, portadora de virtudes e candidez das matronas do conservador mundo interior do Amazonas. Nos primeiros anos o casamento transcorreu sem maiores incidentes, não obstante Jack assim era chamada Jaqueline na intimidade adverti-lo quanto aos desvios de conduta, prevenindo-o dos riscos em que incorreria e do inconveniente desconforto a que seria submetida pelo palavrório da vizinhança e das colegas da escola onde lecionava. O temperamento costuma ser uma cruz que cada um carrega. Umas mais leves, outras mais pesadas. A cruz de Zé Pereira era mista, conquanto a suportasse somente em assuntos leves. Melhor dizendo, levianos. Não resistiu aos encantos de Joana, empregada que servia em sua residência, e dos primeiros e distraídos esbarrões para sentir a turgidez de seus seios passou aos discretos beliscões até a bem urdida situação para o ato final da sedução. Teve êxito nas primeiras aventuras até o dia em que Jack, terminadas as aulas mais cedo do que o habitual, regressa à casa e o apanha em plena libidinagem com a serviçal.

Cada leitor será capaz de imaginar o que aconteceu no instante do flagrante e o sucedido após. A rigorosa Jaqueline puniu o transgressor com infindáveis períodos de silêncio e abstinência sexual, jamais permitindo pudesse ele tocá-la ou sequer dirigir-lhe a palavra.
Em estado de total beligerância decidiu separar seu gineceu para evitar qualquer contato com o mandrião, instalando um tapume que a protegia do perigo de contatos mais íntimos se tangidos ambos pela irrefreável força da natureza. Ocorre que o amor tem segredos irrevelados. É uma espécie de divindade a quem todos gostariam de prestar permanente reverência, às vezes contentamento descontente, não raro ferida que dói sem doer, enfim, sentimento poderoso capaz de realizar os mais prodigiosos milagres. E tanto para José Pereira quanto para Jaqueline o reduzido universo interiorano lhes não permitia incursões heterodoxas. A ela, em especial. Ambos foram, pouco a pouco, sendo vencidos por Afrodite, mesmo afastados pela inconformidade e inflexível resistência de Jack ao ato desassisado do marido.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

Nosso herói cansado das noites indormidas pela lembrança do corpo jovem e esbelto da esposa a balouçar em seus pensamentos e agitar sua mente, resolve apanhar seu chinelo, atirando-o por sobre o tapume ao leito de Jack. Deu-se o milagre. Jaqueline apanha o seu e o lança em direção contrária. Foi a senha ansiosamente esperada para o reencontro, vivido na sofreguidão dos beijos e dos abraços saudosos. Continuaram não se falando. Muitas vezes depois os dois chinelos, a senha para amar, cruzaram no ar.

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