Solidão no meio da multidão – por Carlos Santiago

Carlos Santiago é Sociólogo, Analista Político e Advogado - Foto: Correio da Amazônia

Vivenciamos tempos de mutações e de constantes transformações, sobretudo no que tange à tecnologia e às comunicações. Nunca tivemos tão próximos às pessoas geograficamente distantes e dos fatos que acontecem pelo mundo e tão distantes dos fatos cotidianos e das pessoas próximas, mesmo diante de tantas ferramentas tecnológicas que facilitam a interação entre os seres humanos e a liberdade para buscar e escolher as melhores formas de relacionamentos, persistindo em cada ser uma sensação de vazio, uma solidão, a falta de um diálogo de si para si, uma necessidade não preenchida.


De fato. Essa solidão é fruto da modernidade. Essa constatação ficou transparente quando fui a uma festa na casa de um amigo. Lá, percebi que ninguém conversava com os convidados e com as demais pessoas. A maioria manuseava o celular tratando de assuntos particulares, num sentimento de distância assustador. Quando alguém dirigia a voz ao grupo ou a uma pessoa que estava à mesa, o assunto sempre estava relacionado ao que se lia no celular. A sensação era de que eu estava em uma grande lan house, num espaço onde todos estavam lá, mas cada um interagindo e debatendo temas da vida com pessoas longínquas.

A ubiquidade desse sentimento é muito maior. Outro dia fui à livraria do Manauara shopping a fim de comprar livros para presentear alguém. Decorrido certo tempo, estava eu sentado num delicioso sofá, manuseando obras literárias de Machado de Assis, quando uma senhora, mulher madura, com livros nas mãos, sentou e, disse: “adoro a minha profissão. Por isso, sempre compro livros”. E continuou falando: “sou professora de inglês, mas não é fácil ensinar aos alunos da Rede Pública, além dos problemas com alunos, temos péssimos salários”.

Então, falei a ela que a dificuldade de ensinar não estava restrita ao idioma inglês, outras disciplinas também encontram resistências, em especial, num mundo onde o professor tem o desafio de ser mais um sujeito que interage com o aluno, dentre outros existentes, como redes sociais, televisão, família e a religião. A nossa conversa sobre alguns temas demorou cerca de 30 minutos, foi quando chegou um homem jovem perto de nós e falou: ”vamos?” Ela não falou, mas deduzi que era seu marido.

Após esse fato, fui tomar um café ali mesmo, na cafeteria da livraria. Uma moça que não conhecia se chegou e perguntou se poderia se sentar. Falei que sim. Ela se sentou e perguntou: “você já escolheu o livro que procurava?” Respondi que não, pois estava na dúvida se levava da área de política ou de literatura brasileira. Dali pra frente, a jovem começou a descrever os temas dos livros que tinha comprado, sempre relacionados ao futuro do homem na terra, além de expressar a sua vontade de exercer a profissão de médica. Eu também comecei a dialogar sobre as minhas leituras.

Depois de 45 minutos, entre muitos cafezinhos e risos, tive que ir embora porque tinha um compromisso acadêmico na Universidade Federal. Despedi-me falando do meu compromisso. Então, a jovem agradeceu a gentileza das conversas e disse que ainda ia ficar lá porque estava esperando o namorado que foi buscar o carro na revisão.

Saí e durante a minha trajetória rumo ao meu compromisso refleti sobre as conversas que tive, vale frisar sem celulares, tanto com a jovem mulher, quanto com a mulher madura. Isso fez eu me sentir muito bem. As conversas surgiram naturalmente sem nenhum tipo de interesse, apenas partilhamos um bate-papo sobre a vida, profissão e literaturas. Num mundo tão difícil ser ouvido e de encontrar alguém de confiança, uma boa conversa e troca de ideias sempre fazem bem.

Carlos Santiago é Sociólogo, Analista Político e Advogado.

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