Um ano turbulento para a comunidade LGBTI

Tema deste ano fez apelo ao fim da homofobia (Foto: Cleiton Borges).
Tema deste ano fez apelo ao fim da homofobia (Foto: Cleiton Borges).

Thalía Almendares, presidente da Organização Trans Sempre Amigas (TRANSSA, na sigla em espanhol) relata em meio a gargalhadas a Noticias Aliadas que nunca trabalhou em outro lugar que não fosse essa organização, e que seu currículo seria descartado por qualquer banco ao se darem conta, por meio de sua fotografia, de que ela se trata de uma transexual.


Sua afirmação vem precedida por estatísticas, que ainda sob o eco de suas risadas, já não parecem tão frias. Talvez ela ria por isso, porque teve sorte. Uma sondagem realizada em março de 2013 pela Rede de Voluntários Amigos Sempre Amigos (REVASA), entre pessoas que militam em organizações de defesa de pessoas gays, lésbicas, bissexuais, trans e intersexuais (LGBTI); revelou que 60% delas não têm emprego fixo, que entre as trans se registra o maior índice de desemprego e que a maioria se dedica ao trabalho sexual por não ter acesso a trabalhos formais.
Mais adiante, Almendares se dá conta de um fato doloroso. Em janeiro deste ano, uma de suas companheiras, militante e promotora de saúde, que estava perto de se graduar como bio-analista, morreu por conta de sequelas decorrentes do HIV. Seu exemplo ilustra outras estatísticas apresentadas recentemente pelo Observatório de Direitos Humanos para Grupos Vulneráveis (ODHGV), criado em setembro de 2013 e aonde chegam dezenas de casos de discriminação contra pessoas trans, que sofrem agressões físicas e outros tipos de maus-tratos por parte de policiais, empregadores e trabalhadores da área da saúde.

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O ODHGV mostra uma preocupação particular em torno dos 50 casos de discriminação na área de saúde, que foram registrados desde a sua criação, e onde as denúncias se contabilizam em torno dos aspectos relacionados com tratamento (18%), orientação sexual e identidade de gênero (16%), e à má prática (13%), entre outros aspectos.
A TRANSSA também coleta nove casos de prisões e a negação de direitos fundamentais, assim como 25 crimes de ódio desde 2009, dos quais apenas um foi julgado.
Declarações homofóbicas
O certo é que 2014 tem sido bastante conturbado para a população LGBTI na República Dominicana. Diversos fatos têm levado o tema dos direitos deste grupo a ocupar espaços nos meios de comunicação e não necessariamente pela realização de suas reivindicações.
Janeiro se caracterizou pelas múltiplas declarações homofóbicas do principal representante da Igreja Católica, o cardeal Nicolás de Jesús López Rodriguez, irritado pela nomeação de James “Wally” Brewster, reconhecido ativista gay, como embaixador estadunidense na República Dominicana.
Em fevereiro, o embaixador dominicano enviou uma carta ao Papa Francisco denunciando um suposto complô dos Estados Unidos e da comunidade LGBTI para depor o cardeal.
Nesse mesmo mês, as pessoas LGBTI lamentavam que o Estado dominicano, através da embaixadora Rhadys Abreu, tentasse negar diante do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) que existia discriminação contra essa comunidade e lançaram um informe para o Exame Periódico Anual, apresentado durante a 13º período de sessões do CDH, no qual se citavam diversos casos de violação dos direitos dos cidadãos e cidadãs lésbicas, gays, bissexuais e trans.
Por último, em março, a vice-presidente da República, Margarida Cedeño de Fernandez, apresentou ao Congresso o Código da Família, uma lei que negava expressamente aos casais de mesmo sexo, direitos tão fundamentais como optar pela fecundação assistida e a adoção, entre outros, e que foi retirada provisoriamente pelo presidente da República Danilo Medina.
“Nos últimos 10 anos houve melhorias em certos aspectos”, reconhece Denisse Paiwonsky, em entrevista a Noticias Aliadas. A ativista LGBTI, colaboradora da Coletiva Mulher e Saúde, cita vários exemplos. “Agora o Estado inclui a diversidade sexual em seus informes de direitos humanos, coisa que jamais havia feito. Há violações que o Estado cometia antes, de maneira contínua e sistemática, como o constante fechamento de boates e bares gays e que agora não mais se faz, ou fazem com menos frequência”.
Contudo, considera, “a nível legislativo não há nenhum avanço significativo”. Pelo contrário, “há indicações fortíssimas do alto grau de hostilidade que cometem os políticos de todos os partidos com relação aos direitos da diversidade sexual”.
A carta do embaixador Grimaldi, que não teve nenhuma consequência, e assim como o Código da Família, no seu entendimento, são indicadores do que pensam os tomadores de decisões.
Lei Anti-discriminação
Apesar de tudo, a comunidade LGBTI se mostra otimista. Mesmo que em 2010 se tenha perdido a batalha para conseguir que, na última reforma da Constituição dominicana, se mencionasse a não discriminação por motivo de orientação sexual e identidade de gênero, em fevereiro deste ano se formou uma mesa multisetorial que busca alcançar a aprovação de uma Lei Anti-discriminatória, que além da população LGBTI, inclui outros setores tradicionalmente excluídos, como as trabalhadoras sexuais, jovens marginalizados, entre outros.
“O que aprendemos daquela experiência é que temos que fazer as sinergias necessárias para poder entrar [na lei]. Por exemplo, agora mesmo nosso ponto é o seguinte: sem a gente não há lei. Todos que entram na mesa têm que entender que, se tentam tirar o LGBTI, então não é uma lei de anti-discriminação”, expressou a Noticias Aliadas, Deivis Ventura, da REVASA.
“Esta lei significaria um passo a mais para alcançar a sociedade ideal livre do estigma e da discriminação. Depois de sua aprovação, há de ser feito um árduo trabalho de educação dos membros do nosso sistema judicial e à população em geral”, disse também em declaração a Noticias Aliadas, Rosanna Marzán, da Organização Diversidade Dominicana, que faz parte da Coalizão LGBTI, que impulsiona este projeto.
Leonardo Sánchez, do coletivo gay Amigos Sempre Amigos também se anima ao destacar outras conquistas: “Ter até 18 grupos diferentes funcionando com o mínimo ao longo da última década, que se reconheça o direito a nos manifestar publicamente, que tenhamos celebrado sete paradas do Orgulho Gay, três shows e quatro festivais de cinema é um sinal de que a cidadania está se abrindo, de que se dão conta de que existimos e de que estamos aqui lutando pelos nossos direitos”.

(Adital Jovem)

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