Um senhor governador (Por Paulo Figueiredo)

Advogado Paulo Figueiredo(AM)

Revelava-se sempre com discreta elegância, porte digno e respeitoso, um gentleman, como empresário e homem público. Fazia questão de distanciar-se de qualquer tipo de afetação, típica dos presunçosos. As instalações e a vitrine da loja tradicional da firma de sua família, na Eduardo Ribeiro, à época o endereço de maior prestígio na cidade, guardavam um nível de distinção, que denunciava na origem o grau de bom gosto de seus proprietários.
Trato do empresário Danilo Duarte de Mattos Areosa, que viria a ser governador do Amazonas de 1967 a 1971. Teve a difícil missão de suceder Arthur Cezar Ferreira Reis, em período ainda bastante turbulento da vida nacional, durante a fase brutal da ditadura militar de 1964.


Arthur Reis, amazonense, filho de família ilustre da terra, professor, historiador e intelectual, com várias obras escritas sobre a Amazônia, publicadas no Brasil e no exterior, foi eleito governador pela Assembleia em junho de 1964. De temperamento irascível, teve a gestão marcada por uma sucessão de crises políticas, prisões e cassações, além de intervenções ilegais contra o Legislativo e o Judiciário, que tiveram suas sedes e funções interditadas pelo governador atrabiliário. Ordenou a prisão  do ex-governador cassado Plínio Coelho e recusou-se a cumprir ordem de ‘habeas corpus’ conferida pelo Tribunal de Justiça em favor da vítima, fato inusitado, que mereceu grande repercussão na imprensa brasileira. Arthur Reis, embora honrado, fez um governo de confrontos institucionais. Instaurou um período de caça às bruxas, ao instituir comissões investigatórias permanentes, transformando-se em verdadeiro Torquemada, a própria imagem do arbítrio e da intolerância.  E assim terminou seu tumultuado mandato.

É nesse clima, de grande apreensão e insegurança, que Danilo Areosa assume o governo. Em sentido contrário ao comportamento de seu antecessor, mostra-se legalista, tolerante e generoso. Pacifica o Estado e restabelece a normalidade nas relações governamentais, com estrita obediência à ordem jurídica e constitucional. Jamais usou de qualquer ato de exceção e assim desarmou os espíritos, promovendo a reconciliação das forças políticas e sociais. Probo, de caráter íntegro e conceito moral inabalável, Danilo realizou uma obra identificada pela exação e pelo respeito à coisa pública, notadamente em relação à aplicação dos recursos do erário. A bem da verdade, o procedimento reto, sem as nódoas da desonestidade e da corrupção, caracterizou a passagem pelo poder de todos os governantes do Amazonas durante a ditadura. Conquanto possamos considerar a honestidade como pressuposto de conduta nos homens públicos, tem-se nela uma virtude, hoje aviltada e destruída pela rapinagem lulopetista.

Com recursos limitadíssimos, pois o modelo Zona Franca de Manaus, nossa galinha de ovos de ouro, ainda engatinhava, o governador Danilo Areosa, cercando-se de uma equipe técnica qualificada, fez uma administração fundada no planejamento governamental. Inaugurava assim novos métodos e transferia para o setor público sua experiência como empresário, fato que lhe permitiu valorizar o mérito e estimular a competitividade em todas as decisões de governo. Em sua administração, deu-se a ligação de Manaus com Porto Velho e o restante do Brasil, via BR-319, que nos retirou do isolamento, onde hoje novamente nos encontramos. Lembro que na época fiz uma viagem rodoviária até o Rio de Janeiro. Percorri uma das mais belas estradas do país, que cortava rios e igarapés de águas translúcidas, em pleno coração da Amazônia, novamente engolfada pela selva, diante da incúria do poder em Brasília.

Promoveu o primeiro zoneamento econômico-ecológico do Estado, identificando as vocações naturais de suas mais diversas regiões, enquanto realizava um sem número de obras de infraestrutura na capital e no interior. Apoiou com empenho os processos de industrialização que então começavam a ser implantados no polo industrial de Manaus. Atuou em todas as áreas, com ações efetivas em matéria de saneamento básico, transporte, educação e saúde. Desenvolveu projetos que foram executados por administração direta, com significativa redução de custos, permitindo a otimização dos sempre parcos recursos do tesouro estadual, que assim puderam ser aplicados em outras urgências e demandas da sociedade.

Saiu do poder exatamente como nele ingressou. Retornou à vida privada, como empresário e executivo. Com pouco mais de 62 anos, apto a continuar oferecendo a força de seu talento, inteligência e devoção ao interesse público, deixou-nos de forma súbita e dolorosa para sua família e amigos mais próximos. A caminho das estrelas, recebeu como prêmio a reverência de sua gente, que lhe soube prestar as mais justas homenagens, no derradeiro instante.(Paulo Figueiredo – advogado, escritor e comentarista político – [email protected])

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