A liberdade que a gente se dá quando amadurece! – por Blenda Oliveira

Foto da vista traseira de uma jovem mulher sentada na beira de um penhasco apreciando um por do sol majestoso - foto: divulgação

Fiz 64 anos recentemente. Talvez, quando olho para trás, não lembre ter vivido, na minha vida, um período com tantas descobertas, com inúmeras oportunidades e com novas ideias para seguir até onde puder.


Depois dos 50 anos, um período muito conturbado, iniciei um caminho consciente de busca por uma condição interna de liberdade, de maior maturidade e de escolhas com mais significado para mim.

Custou-me muito.Nos últimos anos, foram vários desapegos a coisas, pessoas, ideias, conceitos que simplesmente não combinavam mais com o que queria da vida. Desfiz laços, limitei outros, fechei ciclos, decidi trajetos e fui assumindo o que me pertence realmente!

O ser humano sabe em quem confiar, quem, de fato, quer bem e lhe quer bem, assim como percebe quando ciclos apenas se encerram. Pode negar, mas sabe, em algum lugar…sabe!

O tempo virou mais que precioso, logo procuro não perdê-lo com aquilo que já ultrapassou a validade. Hoje, escolho e decido onde, com quem e por quanto tempo estarei em situações que não são as que mais gosto, porém fazem parte. E, de preferência, se estou nelas, será sempre, por uma boa causa!

Passei a me importar cada vez menos em justificar; não dou aos meus erros grande peso. Celebro acertos, mas não me seduzo por eles. Não tenho qualquer problema em não saber algo e tenho preguiça de bajulação, ataques de vaidade e querer parecer o que não é. Não quero parecer nada além de quem sou.

O processo de mudança continua. Ele não é rápido, mágico nem indolor, sem medos e angústias que, aliás, como é, de modo geral, qualquer processo de opção por mudanças importantes.

Hoje, aos 64 anos, estou quase vivendo minha vida como quero. Sem ansiar nada mais e maior do que já tenho. Continuo trabalhando, cotidianamente, para que o meu tempo de suficiência seja cada vez maior.

O que me importa é paz de espírito, menos inquietações desnecessárias e mais inquietações que tragam bons conhecimentos sobre o mundo e sobre meu mundo.

Importa manter a fé comigo, mesmo que ela me custe tantas dúvidas e muitas vezes se mostre  frágil. Mas, a descoberta do sagrado mais íntimo, a partir dos meus 60 anos,  foi a mais bela e intensa experiência, aquela que tem me ajudado no desapego, no apaziguamento da minha alma para seguir a vida.

Há muito caminho nesse aspecto a trilhar, que só terminará quando a vida aqui se findar. 

Quando olho as construções que fiz, só posso louvar o universo e todas as  pessoas que encontrei por esses caminhos. Pessoas que acreditaram em mim, me deram oportunidades, foram severas, críticas, causa de decepção, mas todas me ensinaram e confirmaram que o primeiro e o último passo para uma boa vida é a liberdade pessoal. Essa eu prezo, busco incansavelmente e não negocio por nada nem por ninguém.

Acho que envelhecemos para ser livres, mesmo que precisemos cuidar mais da nossa saúde, lidar com a perspectiva da passagem do tempo (mas, esse sempre passa) e nos defrontar com a finitude mais próxima. Hoje, com certeza, decido mais o que quero e como quero. Se irá me acrescentar ou não. Faço aquilo que escolho e posso. Se não quiser ou não puder, deixo para lá.

Tomara que eu consiga manter esse modo de viver por muitos anos. Rogo a Deus manter minha lucidez, autonomia, mobilidade e condições materiais para ter uma vida satisfatória.

Recuso-me a seguir todas as regras para a tal “saúde”. Acho insuportável a imposição quase fanática desse “bem-estar” obrigatório. Cuidar da saúde física e mental, para mim, chama-se bom senso, parcimônia e respeito com o que me serve ou não me serve. É um trabalho artesanal. Não é igual para todo mundo. Devemos estar atentos aos sinais do corpo e da mente, ter bons profissionais que nos ajudam… Tudo sem exagero!

Parte do que sou, devo toda a minha construção a essa minha família amada. Esses são os únicos capazes de me fazer revirar o mundo para entregar a eles alegria, apoio e tranquilidade. Sou esperta, quero que gostem da minha companhia porque, com certeza, precisarei da presença e cuidado deles. Logo, busco ser uma mãe, avó e sogra que favorece liberdade, bom humor e tudo o que seja bom para uma convivência harmoniosa. Dá menos trabalho viver em colaboração.

E como disse a autora francesa Anaïs Nin, “a vida se encolhe ou se expande em proporção a sua coragem”.


Escrito por Blenda Oliveira, psicanlista e doutora em psicologia pela PUC-SP. Atua mais de 40 anos com psicoterapia, é autora do livro Fazendo as pazes com a ansiedade, publicado pela Editora Nacional e indicado ao Prêmio Jabuti em 2023. A psicóloga vem se especializando em diferentes temas, entre eles o envelhecimento.

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