As Rosas e as Pedras no caminho – por José Rosha

Jornalista, radialista, indigenista José Rosha - foto: divulgação

A caminho do trabalho ouço uma música que diz: “olhe as rosas ao longo do caminho” (Send me an angel). Não demoro a encontrar. Um pouco mais adiante, numa área de intenso movimento, vejo uma flor brotando por uma fresta entre o concreto do meio fio e o asfalto da rodovia.


Estacionei o carro alguns metros à frente, fora da pista. Fui até o local, atravessando um parte do caminho cheio de pedregulhos, e fiquei observando: era, de fato, uma rosa vermelha. Devia ter brotado há pouco tempo e estava pujante. A primeira ideia que me ocorreu foi tirá-la daquele local, levá-la para um lugar mais seguro, supondo que poderia ser destruída por acidente.

Porém, detive-me em uma reflexão. Ela lutou teimosamente contra a dureza do concreto e do asfalto para se mostrar à luz do sol. E ali no seu canto ela dançava com o vento e ostentava uma beleza que só fazia sentido porque ela estava ali, desafiando a força bruta e a indiferença.

Quem a visse haveria de se encantar com sua leveza e sua cor. Entre outras flores igualmente bonitas, fora dali, ela só teria beleza – algo que pouco ou nada traduziria de sua profunda existência.

Ao redor daquela pequena centelha de vida havia muitas pedras, latas enferrujadas, sacolas e garrafas de plástico e outros tipos de lixo que as pessoas atiram de seus carros na passagem.

O mundo moderno é assim. Transforma nossos dias em um frenético vai e vem obrigando a nos desfazermos do que não nos serve mais sem ver o que estamos deixando para os que virão depois de nós: um mundo entulhado pela indiferença, pela ganância e por obstáculos de todo tipo por onde muitos trafegarão. Passamos, muitas vezes, em alta velocidade, sem tempo de ver a beleza da vida ao redor.

Nos dias de hoje nossos caminhos andam cheios de todo tipo de pedregulho, ora forçando um percurso dolorido, ora uma caminhada trôpega e arriscada. É nesse momento que precisamos aprender com as coisas simples do nosso cotidiano: primeiro, que precisamos remover as pedras do caminho (que não são poucas); segundo, que isso nos requer uma dose considerável de teimosia.

Nosso mundo é lindo, a vida é bela. Mas nossa existência precisa de substância, muito mais do que os olhos podem ver. O que nos dará substância é a capacidade de ver que somos a parte mais importante na busca de um mundo melhor para todos. Não podemos nos contentar com a superficialidade ou com as aparências da realidade que nos cerca.

Estamos enfrentando um tempo em que há um terreno mais fértil para as mentiras e nem sempre nos damos conta de que os ventos sopram para o lado contrário de onde nos apontam. Parece mais cômodo se contentar com o que salta aos olhos em vez que buscar entender o que, de fato, acontece ao longo da caminhada.

Somos impelidos para o futuro pela marcha da História. Nela nos deparamos com muitas encruzilhadas e muitos sinais indicando a direção. Para onde seguir? Como chegar ao destino com segurança e a certeza de que escolhemos o melhor lugar? A resposta talvez nos faça entender que nessa marcha com frequência estaremos em lado oposto a pessoas que nos são de grande estima, mas que preferiram seguir em outro rumo. É nessa marcha, com todos os sacrifícios por ela impostos, que somos desafiados a entender o sentido da nossa existência.

Em tempos de pandemia, de isolamento dos que amamos, de distanciamento das coisas que gostamos, de crises de toda ordem e de perdas dolorosas… sejamos como a rosa da estrada: apesar da aparência frágil, lutemos para que a vida irrompa com toda sua pujança em meio às pedras do caminho.

*J. Rosha, é jornalista, indigenista e assessor do CIMI

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