Ego, Alter e Incas – por Isabela Abes Casaca

“Machu Picchu não é apenas bela, é sublime.”
(Mark Adams)


Primeira Foto de Machu Picchu, Desconhecido

24 de julho de 1911. Hiram Bingham, professor assistente de história latino-americana da Universidade de Yale, chega as ruínas incas mais famosas da humanidade: Machu Picchu. Para contar essa história com mais encanto, precisamos retroceder um pouquinho nos anos.

Em sua primeira viagem ao Peru, o arqueólogo não tinha o objetivo de descobrir a magnífica cidade incaica. Estava interessado em estudar a rota de Simón Bolivar, refazendo – montado em mulas – o antigo trajeto do comércio espanhol entre Buenos Aires e Lima. Seu desvio dos intentos iniciais ocorreu em 1909, quando encontrava-se em Cusco.

Nessa ocasião, o prefeito da província de Apurimac, convidou-o a visitar as antigas ruínas de Choquequirao (“Berço de Ouro”), nomeando-as de “última morada dos incas”. Durante esta primeira experiência, Bingham entrou em contato com boatos e depoimentos de camponeses, que falaram-lhe sobre ruínas perdidas em meio às montanhas. Os picos nevados perto dali “me tentaram a ver o que existia mais adiante”, escreveu o historiador em Lost City of the Incas (sem edição no Brasil).

Após as escavações em Choquequiarao, cidade irmã de Machu Picchu, Hiram motivou-se a retornar aos EUA em busca de financiamento para uma grande expedição.

Em junho de 1911, ele retorna a Lima, onde permanece várias semanas estudando crônicas coloniais antigas. Uma lhe chamou a atenção: “Cronica Moralizada de la Orden de San Agustin”, escrita pelo padre Antonio de La Calancha em 1630. Nela, encontrou citações das antigas capitais incas de Vilcabamba e Vitcus, duas cidades desaparecidas desde o assassinato do último imperador, Tupac Amaru, em 1572. Essa foi o motivo levou Hiram a adentrar a Cordilheira.

Portanto, ao montar sua expedição, o arqueólogo buscava em especial estas duas cidades e não Machu Picchu, como tantas pessoas acreditam.

Com sua equipe seguiu através do majestoso Vale do Urubamba, acompanhado do caudaloso e barrento rio de mesmo nome. No caminho, encontrou várias ruínas menores. A cada novo achado, o chefe da expedição declarava que não era aquilo o que procurava, citando de cabeça os detalhes encontrados nas antigas crônicas. Ele buscava um local que deveria abrigar grandes edifícios, com templos, sepulturas e patamares. Nenhuma das ruínas vistas até então eram dignas das descrições de religiosos e soldados espanhóis na época da conquista.

Na localidade de Mandorpampa, interrogou através de um intérprete, o camponês quéchua conhecido como Melchor Artega, que de imediato apontou para o alto da montanha dizendo: “Machupijchu” (“Topo Antigo”).

Na manhã de 24 de julho de 1911, Bingham e Arteaga a subiram a montanha. Depois de 7 horas, foram recebidos por dois nativos carregando cabaças com água. O arqueólogo viu que os indígenas plantavam batatas, pimentões e tomates em terraços artificiais, contudo não notou que estava no setor agrícola da grande cidade inca.

Observando o imponente Huayna Picchu, ainda sem ver as ruínas escondidas na mata, decidiu perguntar a um garoto pela tal cidade mítica. O menino o levou por terraços, acompanhando um duto de água, e Bingham notou uma infinidade de muros e casas. Estava na cidade de Machu Picchu. Com as ruínas cobertas por vegetação (bem diferente do que se vê hoje), era difícil entender a dimensão do complexo. O garoto – cujo nome nunca é citado – leva-o até a Tumba Real, o Templo das Três Janelas e o Templo Principal. Desta forma, Machu Picchu deixa seu abandono secular, para revelar-se ao mundo contemporâneo.

O historiador confuso chegou a reclamar: “Não é isso o que procuro”. Realmente não era. A cidade não reluzia a ouro como esperava. Ele seguiu com a expedição por mais um mês na busca de Viticos e Vilcabamba, contudo só encontrou mais do mesmo, pequenas ruínas. Somente no fim da expedição, percebeu que aquele era seu maior achado. Hiram Bingham passou a vida buscando a explicação para o abandono da cidade.

24 de julho de 2011 foi o centenário desta redescoberta. Agora em 2015, faz 104 anos desde o seu ressurgimento. Uma reflexão age em minha mente:

A criatura humana, ainda possui em si o egocentrismo, aquele comportamento gerador da concepção que nossa visão de mundo é superior. Inúmeros problemas a humanidade deixaria de gerar se paulatinamente abandonássemos tal postura.

Precisamos, em nosso comportamento, de mais alteridade, nos colocarmos no lugar dos outros. Refletir. Os outros estão tão errados e nós tão certos? Essa desconfiança proporciona uma evolução mais simples e fácil.

Como modelo prático pensemos justamente em quando os europeus chegaram as Américas e fizeram contato com os ameríndios. Imaginemos se não tivessem agido de maneira eurocêntrica e sim com alteridade, como estaríamos agora?

Arrisco imaginar: Atualmente a sociedade seria mais avançada, evitaríamos inúmeros problemas ambientais e estaríamos muito mais perto do desejado desenvolvimento sustentável.

Os incas, eram bastante avançados, em alguns aspectos científicos deixavam os espanhóis para trás, e quiçá nós também. Suas técnicas de engenharia e agricultura superam as nossas. Atualmente conseguiríamos construir algo com a grandeza de Machu Picchu de forma tão harmônica com natureza?

Descrita como uma expressão pura dos mais poderosos povos indígenas das Américas, já houve quem se perguntasse como uma civilização capaz de construir algo tão grandioso foi arrasada pelos espanhóis.

Compartilho o mesmo sentimento, afinal é pesaroso que a maioria deste conhecimento perdeu-se, por causa do egoísmo e da cobiça pelo ouro. Aprendamos com o passado, a fim de não repetirmos os mesmos erros. Deixemos o egoísmo de lado, procuremos a alteridade, busquemos o nosso “eu” nos “outros”, para que sejamos “Nós”.

Panorâmica Machu Picchu, Martin St-Amant (2009)

Isabela Abes Casaca
Twitter: @isabelacasaca
http://www.novaagora.org/

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