Líder dos mineiros chilenos que ficaram 69 dias presos 688 m abaixo do chão quer voltar para o fundo da terra

Mario com os filhos no set de filmagem do longa Los 33, sobre o acidente na mina
Reprodução/Facebook

O que o estimado leitor faria da vida após ficar preso embaixo da terra por mais de dois meses e sair vivo de lá?


Muitas coisas. Mas uma delas certamente: manter uma boa e indiscutível distância do local onde ficou “enterrado vivo” na cena de terror.

Pois o chileno Mario Sepúlveda Espinace, líder dos 33 mineiros que passaram 69 dias do ano de 2010 fechados a 688 metros de profundidade na mina de cobre e ouro San José, distante 33 quilômetros da cidade de Copiapó, no deserto do Atacama, norte do Chile, após um desmoronamento que soterrou todas as entradas e saídas da unidade, quer, acreditem… voltar para as minas.

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Isso mesmo: o eletricista mineiro Mario Sepúlveda, o Super Mario, como passou a ser chamado em seu país, 43 anos, casado, dois filhos, cerca de 1,60 metro de altura, peso propositalmente não revelado, ex-eletricista da mina de San José, quer voltar a ser mineiro de ponta, do fim, no chão e na parede das minas. Dentro do chão, no fundo da terra.

Para isso, encara sacrifícios pessoais, conforme detalhou em entrevista exclusiva por telefone ao R7:

— Estou gordito como o Ronaldo Fenômeno de vocês, de quem sou fã. Não vou dizer meu peso atual, mas vocês irão concluir o seguinte: ele está bem acima do ideal. Preciso perder 17 quilos para ter novamente um corpo compatível com o trabalho no interior das minas.

Um desmoronamento arrolhou Mario e seus 32 companheiros às duas da tarde em ponto do dia 5 de agosto de 2010. Foi o maior acidente do tipo na história chilena — que gerou também a maior operação de resgate dessa atividade no mundo.

San José é uma mina de pequeno porte, menor do que a maior parte das unidades da região, exploradas por multinacionais e estatais como a chilena Codelco. Acidentes ocorrem em maior escala em minas menores. Pelo risco, Mario e seus colegas de trabalho recebiam salários maiores do que a média dos mineiros da região.

A preparação para o resgate foi iniciada em 6 de agosto. No dia seguinte, um novo movimento de terra exigiu a inclusão de máquinas pesadas no trabalho. No dia 22 de agosto, 17 dias depois do primeiro deslizamento, Super Mario e seus amigos foram localizados com vida.

Por uma guia passada em uma das pequenas perfurações (havia uma grande rocha entre o nível da terra e o local onde estavam os mineiros) a equipe de resgate recebeu um bilhete com a primeira mensagem de alento:

— Estamos bien en el refugio de los 33 (estamos bem no refúgio dos 33).

A essa altura, Super Mario estava a pleno vapor, organizando o movimento e reinventando carnaval 688 metros abaixo do cenário estorricado e ocre do deserto do Atacama.

Liderava o trabalho de apoio psicológico para segurar a barra emocional da turma. Dividia tarefas. Dava dicas sobre saúde. Determinava quem ia buscar e explorar novas fontes de água. Ajudava a controlar até coisas como o rodízio para manter as necessidades fisiológicas e os locais feitos de banheiro e depósito de lixo nas melhores condições de isolamento possíveis e, assim, evitar doenças.

Nos primeiros dias, antes da troca inicial de mensagens, Super Mario acionou, uma vez por hora, a buzina de todos os veículos presos na mina, na esperança de ser ouvido do lado de fora. A exatos 688 metros de profundidade, a medida não trouxe qualquer resultado.

Para o resgate, uma das pequenas passagens de água e alimento foi alargada para a passagem da cápsula Fenix II. Com cinco metros de altura e 60 centímetros de diâmetro, a Fenix II transporta apenas uma pessoa por vez.

A cápsula tinha equipamentos de segurança e duas saídas, uma no fundo e outra no teto. Seriam usadas caso houvesse necessidade de devolver alguém à mina ou resgatar para o solo se ela ficasse presa em algum ponto do caminho, o que felizmente não ocorreu.

Exatamente às 23h55 do dia 12 de outubro, no horário local (no momento o mesmo de Brasília), a Fenix II iniciou a descida para resgatar o “el primero de los 33”. Florencio Ávalos, o escolhido, voltou ao nível do solo chileno à 0h10 da madrugada de 13 de outubro de 2010. Luiz Urzúa, o 33º e último dos mineiros, às 21h55. Quatro socorristas que desceram para ajudar no resgate subiram depois, o último deles à 0h33, já no início da madrugada do dia 14. Segundo da fila, Mario tocou o solo do Atacama exatamente à 1h10 da madrugada do dia 13, uma hora depois de Ávalos, o primeiro.

Em solo firme e a céu aberto, os carinhos e mimos para Super Mario e seus colegas começaram ainda ao lado da Fenix II, dados por familiares, amigos e políticos chilenos. E não cessaram. Ao contrário, foram ampliados em quantidade, importância, origem e peso do interlocutor.

Super Mario e seus colegas receberam mensagens de personalidades que vão do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao vocalista da banda irlandesa de rock U2, Bono Vox, passando pelo secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, a cantora mexicana Ana Gabriel, o ex-papa Bento 16, o ex-presidente Lula e a atual ocupante do cargo, Dilma Rousseff.

A escritora chilena Isabel Allende dedicou o Prêmio Nacional de Literatura do Chile, ganho por ela, a los 33. O jogador espanhol David Villa e o clube chileno Colo-Colo mandaram camisas de futebol com o número 33 para o grupo. O empresário Leonardo Farkas doou cerca de R$ 24 mil (US$ 10 mil) à família de cada um dos mineiros.

Elogiado pela liderança, força e coragem nos momentos difíceis — e 12 kg mais magro do que no dia do acidente —, o líder Super Mario saiu do fundo da terra para entrar na galeria dos heróis chilenos contemporâneos.

Ganhou dinheiro em palestras e encontros pelo mundo. Foi recebido por políticos, esportistas, presidentes de ONGs, artistas, religiosos, educadores, empresários.

Antonio Banderas e Mario Sepúlveda vestidos de mineiros
Reprodução/Facebook

Meses atrás, assumiu a função de coordenador de figurantes do filme Los 33, sobre o acidente, que terá o ator espanhol Antonio Banderas no papel principal — o de Super Mario, logicamente — e deverá estrear em circuito mundial até o final de 2014. A atriz mexicana Kate del Castillo fará o papel de Elvira, mulher do líder mineiro. Juliette Binoche também está no elenco.

Formadores de opinião chilenos acreditam que Super Mario usa o acidente, a sua ligação com os mineiros e, agora, a vontade declarada de voltar às minas como ferramentas de marketing para se lançar na política.

Ao R7, ele negou a exploração política de sua história recente:

— É injustiça e maldade pensar assim. Tenho atualmente me dedicado à formação de novos mineiros. Utilizo minha experiência para ajudar a melhorar a profissão e os profissionais. Mas, quando o resultado do regime que faço permitir, estarei verdadeiramente de volta às minas, abaixo do solo. Isso faz parte da minha cultura, da minha vida e da história da minha família. Por isso estarei lá.

Mas, em seu comportamento público, Super Mario, além de exibir uma dose concreta de vaidade, dá toda a pinta de desejar, de fato, encarar as urnas como candidato a alguma coisa.

Contratou profissionais nos Estados Unidos para criar e gerenciar uma página sua na internet (www.mineromariosepulveda.cl), conta no Twitter (@supermariochile) e um espaço no Facebook (https://www.facebook.com/MineroMarioSepulveda). O mineiro revelou detalhes dessa postura agressiva na rede numa reportagem de Cristina Tardáguila publicada na edição de março de 2014 da revista brasileira Piauí:

— Percebi logo que precisava de gente do ramo para cuidar dessa parte de internet. Aqui no Chile não há nenhum profissional para fazer isso. Hoje quem responde por mim nas redes é uma linda jornalista de Nova York. Fico tranquilíssimo. É gente que sabe o que faz. Pode conferir.

Como era de se esperar, Super Mario recebeu vários convites para se filiar a partidos e lançar campanha. Não revela quem fez as propostas. Mas reafirmou ao R7 que não será candidato “enquanto não modificarem o sistema eleitoral distrital implantado pelo (ex-ditador) Augusto Pinochet”.

O modelo eleitoral condenado pelo mineiro permite a eleição de dois deputados federais para cada um dos 60 distritos chilenos, a partir de listas de candidatos fornecidas pelos partidos. A fórmula contribui para a concentração de poder, no Congresso, nas mãos das duas maiores frentes de partidos do país: a Nova Maioria, de esquerda, e a Aliança pelo Chile, de direita. Super Mario se diz independente e deseja um sistema mais receptivo para os partidos menores.

Com aparato e ações tão bem organizados na internet e nos veículos de comunicação, o mineiro não faz muita questão de reprimir os impulsos de badalação da própria imagem. Antes, bem ao contrário.

Em fevereiro de 2014, quando encontrou Antonio Banderas pela primeira vez no set de filmagens de Los 33, tratou de enviar para os veículos de comunicação, e de tascar em suas contas na internet, várias fotos ao lado do galã, com destaque para uma em que os dois aparecem vestidos de mineiro.

Sobre Banderas, Super Mario disse ao R7:

— Muito humano. Ficou impressionado ao me conhecer.

A respeito de Juliette Binoche, mandou sem medo no jornal chileno Tiempo Libre no início de março de 2014, quando ainda encontrava a atriz no set de filmagem:

— Falo com ela todos os dias. Além de ser linda, é simpática e carinhosa. Quando me vê, saúda com beijos e tudo o mais.

Ao ser questionado pela repórter do jornal sobre as supostas limitações impostas pelas estrelas para tirar fotografias ao lado dele, não deixou por menos:

— Você pode não acreditar, mas são eles que pedem para tirar fotografias comigo e os amigos mineiros que me acompanham. Eu jamais pedi isso a eles.

Em outra reportagem, o autor do texto identifica as recaídas de vaidade do mineiro:

— Diante dos sorrisos nas fotos, parece claro que Mario Sepúlveda trouxe boa impressão do ator espanhol do primeiro contato. Mas isso não impediu o famoso mineiro de enfatizar que, apesar do status de estrela, o novo amigo Antonio é “próximo” e “preocupado com o seu bem-estar”.

A foto principal de sua página no Facebook foi trocada: antes era dele; agora é de Antonio Banderas. Não por acaso, é comum a imprensa chilena se referir ao líder como “o mineiro midiático Mario Sepúlveda”.

Mas, para além das doses de vaidade e da aparente vontade de aproveitar a nova realidade para se lançar na política, Super Mario gasta boa parte de seu tempo em atitudes nobres. Adora criar campanhas públicas para melhorar as condições de vida de colegas mineiros e ajudar chilenos pobres ou vítimas de acidentes.

Seu projeto mais recente é recolher fundos e alimentos para doar às vítimas de uma tragédia recente ocorrida na região chilena de Valparaiso. Com insistência, pede recursos em todas as suas contas na internet. Divulga e-mail, contas bancárias e até um número de telefone celular para quem quiser ajudar.

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Super Mario disse ao R7 que planeja vir ao Brasil para a Copa do Mundo 2014:

— Avise os seus conterrâneos: farei de tudo para estar aí na Copa. Sinceramente, não confio muito no meu Chile. O grupo foi renovado há pouco tempo. Carece de experiência e mesmo de talento. Meus candidatos ao título são Argentina, Brasil, Itália e Inglaterra. Será um grande evento para nossa América Latina.

Super Mario está embalado — e seu discurso, cada vez mais afiado.

O tempo dirá se, após tantas voltas na vida acima do solo, a promessa de voltar para dentro dele é verdade ou marketing.

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