Os cães ladram – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

“Os cães ladram enquanto a caravana passa…” é bom adágio para retratar a postura do governo Bolsonaro, até o momento, perante o País. O provérbio é utilizado pelas pessoas para descartar críticas, delas desdenhando como se fossem ganidos de cães desgarrados nos campos, ao mesmo tempo que conferem às suas obras, iniciativas ou às próprias personalidades o grandioso status de caravanas.


Uma caravana, como símbolo psicológico, representa bem a imagem que o presidente Bolsonaro tem de seu governo, não sendo à toa o estilo caravanístico que adotou em campanhas, no início da gestão e ainda mantém. Para além de significados políticos atuais, em que caravanas servem de escola de fim de semana para ministros ou como marchas de militantes, uma caravana significa travessia, transposição de fronteiras, busca de novos territórios, esforço concentrado de muitas pessoas em união projetando esperanças em novos destinos, partindo rumo ao desconhecido.

Travessias em caravana em geral são feitas para percorrer terrenos perigosos. Mas quem usa o provérbio “os cães ladram enquanto a caravana passa…” raramente se refere a uma caravana propriamente dita. A pessoa compara-se a si mesma a uma caravana, atribuindo às suas ações e história pessoal o sentido épico dos peregrinos. Ao personificar o símbolo, a pessoa abandona também a noção de perigo que se associa à idéia de caravana porque imagina corporificar poderes para sozinha enfrentar quaisquer adversidades. A partir deste ponto, poderíamos explicitar melhor o sentido dessa fala, de forma mais rude que Bolsonaro em seus discursos, se isto fosse possível, sendo este um direito que nos cabe, uma vez que, ao contrário do presidente, não precisamos ser tão cuidadosos com o que falamos como ele deveria ser e não está sendo.

Quem lança mão desse aforismo sobre caravanas e cães está dizendo: “Eu sou mais eu” (os outros e suas opiniões não contam) ou “o que vem de baixo não me atinge”, porque não se conhecem casos de caravanas que mudem o seu curso por conta do latido de cães desgarrados. Essa é a interpretação que se pode atribuir ao bordão “estou vacinado contra vaias”. Resta saber se vaia é uma forma legítima de crítica ao presidente da República em cerimônias formais porque se este não for o caso poderíamos entender que tais críticas se desqualificariam já pela forma.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

Mas a pergunta parece prejudicada – o presidente quebra todas as formalidades e esta é uma das razões por que está sujeito a vaias, dubiamente legitimadas por ele mesmo, que as estimula ao mesmo tempo que declara desconsiderá-las. Mais atenção ao protocolo ajudaria na manutenção da majestade do cargo e na preservação de sua figura pessoal.

Na esteira do presidente, luminares bolsonaristas vêm construindo absurda doutrina em relação a este tipo de manifestação. Esses ouvidos desafinados precisam se dar conta que tais vaias são apenas símbolos, incipientes, de volumoso cabedal de críticas, originadas de todos os lados, que o governo federal vem acumulando simultaneamente à manutenção dos altos índices de popularidade do presidente.. Quando FHC, de forma politicamente oportuna, ou oportunista como dizem alguns, colocou o PSDB na avenida, tirando as mangas de fora para vaiar também, no exato momento em que havia convergência de críticas originadas de políticos de quase todos os partidos, inclusive maciçamente do PT, de empresários, economistas, magistrados, sindicalistas, sem-terra e outros mais – o presidente destemperou-se. Respondeu iradamente ao antecessor, embaraçou a primeira-dama e pecou no jogo político, passando recibo e mostrando o flanco. Demorando a se recuperar, dias depois, gerou desconforto nacional, em novo destempero, ao referir-se ao Judiciário e ao Legislativo de forma não condizente com o seu cargo.

A base da sociedade brasileira está repleta de graves conflitos. O País precisa do presidente atuando na construção da harmonia e não para gerar conflitos desnecessários na cúpula. Confiamos que Bolsonaro não esqueça que os que são tratados como cães desgarrados também podem se agrupar em matilhas e morder – coisa que ninguém deseja.

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