Para decisão no TSE, a compra do Centrão é inútil para Bolsonaro

Acendeu a Luz Amarela para Bolsonaro, lá a compra do fundão do Centrão é inútil – foto: montagem/divulgaçãoTSE

O presidente foi às compras e encontrou o fundão do Centrão exposto na banca da feira. Estava tudo ali, com os preços estampados. Não se pode dizer que seja uma liquidação porque esse é um tipo especial de negociação em que a mercadoria comprada — no caso, os deputados — interfere na formação do preço.


Se percebem que o comprador é ruim ou mal afamado, como é o caso, o valor sobe. O pagamento é feito em dinheiro público, na forma de cargos.

A relação é a seguinte: ganha a mercadoria comprada — os deputados —; ganha o comprador, que usará a aquisição para se manter no poder, e perde você, que paga a conta.

O mercadão vai bem. O Centrão pediu mais de 700 cargos. Bolsonaro já desembolsou dinheiro público para oferecer 325 deles. Conseguirá, assim, formar a sua “base de comprados”, coisa de uns 200 parlamentares, talvez um pouco mais. Sem a concordância de ao menos 342 deputados (dois terços da Câmara), um pedido de abertura de processo de impeachment não segue para o Senado.

“Jair Bolsonaro sofreu dois reveses na Justiça Eleitoral nesta terça. Podem não dar em nada. São, no entanto, sinais de que sua retórica golpista não assusta”.

Da mesma sorte, uma eventual denúncia por crime comum teria de contar com esses dois terços. Nesse caso, há ainda um óbice anterior: para que o Supremo peça autorização para abrir processo contra o presidente, é necessário que o procurador-geral da República, Augusto Aras, ofereça a denúncia. Por enquanto, é mais fácil uma vaca voar.

Assim, a fragilidade maior de Bolsonaro, vejam só, está mesmo no TSE. Por ali, um processo de cassação da chapa que o elegeu — caso em que Hamilton Mourão dançaria junto — não precisa da autorização de ninguém. Bastam a prova do cometimento do crime e a coragem de fazer a coisa certa.

Duas das ações já estão em julgamento e tiveram prosseguimento nesta terça, movidas pelas respectivas coligações que tinham como candidatos à Presidência Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (PSOL). Motivo: uma página intitulada “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” foi invadida por hackers, que lá gravaram a expressão “Mulheres com Bolsonaro 17”, expulsando os administradores antigos. O então candidato do PSL compartilhou nas redes a página invadida com um agradecimento: “Obrigado pela consideração, mulheres de todo o Brasil”.

É crime? É. Mas vá lá: há os crimes cabeludos e os nem tanto. Esse é dos nem tanto. Og Fernandes, o relator, já havia votado pela improcedência das ações, não vendo como se pudesse imputar a invasão à chapa de Bolsonaro. Edson Fachin havia pedido vista e trouxe o voto nesta terça. Votou pela suspensão da votação para que a Polícia Federa faça uma perícia cibernética para tentar detectar a origem da invasão. Tarcísio Vieira e Carlos Velloso Filho o seguiram. Luiz Felipe Salomão ficou com o relator, formando um 3 a 2.

Alexandre de Moraes pediu vista, e o último a votar será Luiz Roberto Barroso, presidente do tribunal. Notem: bastará mais um voto, de sete possíveis, para que a investigação das duas ações — há oito no total — permaneçam abertas. É um mau sinal para Bolsonaro. Evidencia que o tribunal não vai tolerar malfeito, ainda que a coisa não pareça tão grave.

Mas há as coisas graves. Uma das ações diz respeito ao impulsionamento de WhatsApps. Aí o troço é enrolado e pode se complicar mais. Quem conhece a área acha que se chegou, até agora, apenas à famosa ponta do iceberg de um esquema gigantesco, que pode custar muito dinheiro e caracterizar financiamento irregular de campanha e caixa dois. Uma das testemunhas afirma que uma rede de empresas recorreu a um esquema fraudulento para usar nomes e CPFs de idosos para registrar chips de celular, viabilizando o disparo de lotes de mensagens.

Muito bem: o PT, autor de uma das ações, pediu o compartilhamento de provas colhidas naquele inquérito aberto pelo STF para apurar a indústria criminosa de ataques ao tribunal. A defesa de Jair Bolsonaro, claro!, se opôs, mas o vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, encaminhou nesta terça ao TSE parecer favorável.

Esse, sim, é um revés importante, de consequências imprevisíveis. Moraes, é bom lembrar, determinou, no âmbito do inquérito aberto no STF, buscas e apreensões em endereços ligados a apoiadores de Bolsonaro. Mais: ordenou a quebra do sigilo fiscal e bancário de pessoas ligadas ao financiamento da indústria de difamação contra o Supremo referentes ao intervalo entre julho de 2018 e abril de 2020, o que inclui o período eleitoral.

A luz amarela, de advertência, se acende para Bolsonaro no TSE. Resta evidente que os tribunais superiores não estão se deixando intimidar por sua retórica belicosa. No parecer que enviou ao TSE, escreveu o vice-procurador-geral eleitoral:
“As diligências determinadas no Inquérito nº 4781/DF podem trazer luz ao esclarecimento dos fatos apontados na inicial, na medida em que poderão vir a demonstrar a origem do financiamento das práticas imputadas à campanha dos representados na inicial”.
Ele vê o que chamou de nítido liame entre o financiamento da campanha difamatória contra o Supremo e o esquema de impulsionamento de WhatsApps. Se o tal impulsionamento evidenciar ser parte de um esquema de financiamento ilegal de campanha, associado a uma indústria de fake news com o objetivo de interferir no resultado da eleição, a chapa de Bolsonaro será cassada, e ele e Mourão perderão o mandato.

A alternativa, claro!, é mandar cercar a Praça dos Três Poderes com tanques, e o general Fernando Azevedo e Silva, num helicóptero, de megafone, anunciar que o Comando Militar da Cloroquina vai prender todo mundo para salvar a democracia. Não creio que seja viável. Infelizmente para Bolsonaro, o mercadão do Centrão e Augusto Aras nada podem fazer por ele no TSE.

Resta-lhe torcer para que não apareçam as provas do crime cometido.

REINALDO AZEVEDO

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