Paradigmas da leniência – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Me desculpem os caros leitores amazonenses, mas tenho uma afinidade pelo Rio de Janeiro e costumo dizer que sou amazonense por um acidente geográfico. Sou carioca de coração, e quando você recebe no Rio a conta da Light no seu nome, se sente mais carioca ainda.


No Rio políticas equivocadas regadas a paternalismo omisso fizeram com que lacraias virassem serpentes. Nas últimas décadas a criminalidade foi aumentando até assumir proporções de virulência inaudita. Os nefelibatas não se dão conta de que o crime se organizou e passou a ter o poder “paramilitar” de acuar a sociedade. O que era um problema de polícia assumiu contornos de cerco armado à cidade. Não cabe constitucionalmente às Forças Armadas exercer papel de polícia. Mas se o atual quadro não for revertido acabarão convocadas para, com sua competência e prestígio, revogar o toque de recolher imposto pelo crime organizado.

A situação em que se encontra a cidade do Rio de Janeiro é resultado de sucessivas administrações desastrosas. Os governos de Brizola foram o paradigma da leniência populista com a ação da bandidagem. Visto como causado pela pobreza, o crime é tratado, independentemente do teor de agressividade que encerre, como um genérico “problema social”. Deixa assim de ser enfrentado como um poder capaz de desestruturar a sociedade legal e organizada. Os mais entusiastas chegam a concebê-lo como trampolim para a revolução por ser capaz de minar o sistema desde seus fundamentos. Corre a história, mudam os rumos do mundo e os “revolucionários” vão baixando o nível de suas alianças. O drama carioca é que o combate ao crime precisa ocorrer também dentro das instituições dedicadas a evitá-lo e a puni-lo. Apesar de a impunidade campear, formadores de opinião e ONGs têm doutrinado a sociedade para ser tolerante com os crimes cometidos da periferia para o centro e dura com a corrupção dos poderosos.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

A sociedade está sendo emparedada por uma minoria armada porque as vozes que se levantam para tantas outras causas menores estão mudas. Se nas décadas de 80 e 90 o crime não tivesse sido incentivado pela ideologia do bandido como “vítima social”, por certo não se estaria na iminência de chegar ao estado de guerra interna. É a falta de limites que gera os mais condenáveis comportamentos. Imaginem que ao chegar ao Galeão se o passageiro não tiver agendado com antecedência um aluguel de carro, os taxistas cobram entre R$ 600,00 a 700,00 para atravessar a linha vermelha. Ao se tornar um poder paramilitar, o crime no Rio se capacitou a sitiar a cidade. Grupos armados até os dentes e situados em pontos estratégicos têm a cidade sob sua mira. Com o poder público desmoralizado, a polícia intimidada e o funcionamento das instituições colocado em xeque, o que falta mais acontecer? No Brasil, se joga fora o bebê com a água suja do banho.

As instituições não são distinguidas de seus operadores. Justifica-se o grande desapreço por elas invocando a má conduta dos que as representam. Filmes brasileiros, às escancaras ou de forma subliminar, exaltam a bandidagem e vituperam a polícia. Ora, nenhuma sociedade pode ser sadia se suas instituições são achincalhadas. A existência de maus policiais não é razão para se professar o maniqueísmo às avessas. Enquanto prevalecer a postura destrutiva diante das instituições, a crise de autoridade, em suas várias dimensões, se aprofundará. O pensamento de esquerda, hegemônico no Brasil, fortalece a atitude “negativista” quando coloca as forças da ordem a serviço da exploração econômica e da dominação política. Ora, se a repressão ao ilícito tem sempre um viés de classe, então não tem legitimidade. De modo enviesado, essa visão justifica o crime e contribui para seu avanço. Como é produzido pela sociedade injusta, seu combate é duplamente injusto. E assim a barbaria vai se instalando com a piora da situação também sendo creditada ao sistema. E a sociedade, considerada injusta pela forma com que reparte seus frutos, se torna ainda pior: fica refém das balas perdidas e das direcionadas. E o que se consegue com tudo isso é deteriorar ainda mais o que já era ruim.

O espantoso não é o problema, mas o tipo de tratamento que se tem a ele dispensado. Vendo seus direitos fundamentais descerem pelo ralo, o cidadão inerme é convocado para inócuas e esquálidas passeatas pela paz. Os grupos de protesto ruidosos nem se mexem. Só entram em cena quando as causas abraçadas acenam com ganhos políticos. Estes são dias de tiros a esmo, de vias expressas, escolas e lojas compulsoriamente fechadas. E isto não pode ser aceito como normal. Estas são noites de ruas esvaziadas e do silêncio cortado à bala. E isto é uma aberração. Uma grande cidade – com uma bela, mas inútil paisagem – quando acuada pelo medo significa que a sociedade perdeu a soberania sobre si mesma.

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