
“Eu vejo o futuro repetir o passado,
Eu vejo um museu de grandes novidades,
O tempo não pára.”
(Cazuza)
Os recentes e cruéis atentados do estado islâmico em Paris, lembrou-nos que, apesar de nosso mundo globalizado, nossas extensas teorias acadêmicas, nossa avançada tecnologia ou qualquer outra particularidade da contemporaneidade; em essência não mudamos muito, somos os mesmos de há milhares de anos. Apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais, como nossos ancestrais.
Cada vez mais, me convenço da ciclicidade da história… Os atos terroristas, me lembraram o período de ocaso da Idade Antiga: Após franca expansão e dominação de territórios, o Império Romano instalou a pax romana e difundiu o roman way of life. Contudo, o domínio da antiga capital, não possuía um sustentáculo verdadeiro, seu lastro era ilusório, encontrava-se corroída internamente.
A hegemonia romana ocidental declinou lentamente, processo histórico que durou longos anos, somatizando inúmeros fatores: degradação moral, corrupção, economia insustentável, invasões bárbaras etc. Nesse contexto, é importante salientar que o termo bárbaro, significa estrangeiro e foi usada pelos romanos para designar os povos que não partilhavam seus costumes e cultura (nem a sua organização política).
Ao contrário do que nome faz parecer, estas invasões não foram exclusivamente conflituosas, sendo uma mescla de migrações pacíficas e conflitos bélicos. No último caso, os povos bárbaros desestabilizaram a civilização romana com vários ataques, minando a civilidade e o status quo vigente. O mais famoso exemplo é o povo huno, que aterrorizava os outros povos, devido a velocidade e coordenação de suas investidas.
Será que, existe um paralelo entre passado e presente? Será que, no mínimo, algo parecido que está acontecendo atualmente? Será que, também não estamos corrompidos por dentro? Seriam os ataques estado islâmico as invasões bárbaras do nosso tempo? Os fatos presentes remontam os pretéritos?
Outro fator marcante e acentuado foi a intolerância. Enquanto as invasões caracterizam-se, de certa forma, como aspecto externo; o conflito entre várias maneiras de pensar e formas compreender o mundo, dilacerou o Império Romano por dentro, como aspecto interno. Os indivíduos incapazes de alteridade e coexistência, desequilibraram a organização e o governança romano.
Estes acontecimentos foram muito bem retratado e sintetizados no filme Ágora (Alexandria, na versão brasileira), de 2009. O enredo do épico gravita em torno da personagem histórica Hipátia, uma mulher que dedicava sua vida ao estudo e ensino de filosofia, matemática e astronomia; esta filosofa viveu em Alexandria, justamente no lapso temporal de declínio do império romano do ocidente.
Entre os anos 355 e 415 d. C, Hipátia leciona na Escola de Alexandria, junto à Biblioteca. A cidade atravessa um período conturbado, onde greco-romanos, judeus e cristãos, constantemente, enfrentam-se na ágora. Não há nenhum maniqueísmo, indivíduos perseguidos convertem-se em perseguidores, indivíduos perseguidores tornam-se perseguidos. Durante esse enfrentamento, ocorrem várias tragédias, mortes e destruições.
Inclusive a famosa Biblioteca de Alexandria, que sofre sua segunda destruição. Embora não se tenham muitas certezas a respeito, sua fundação remontaria ao reinado de Ptolomeu I; acredita-se que, em seu apogeu, a Biblioteca chegou a ter cerca de 700.000 rolos de papiro. Igualmente misteriosa é a história de sua destruição. Existem três acontecimentos distintos, em épocas diferentes, que teriam acarretado o fim da Biblioteca.
O primeiro deles remonta aos tempos de 48 a.C; quando Júlio César, tentando escapar de um sítio por mar, ateou fogo a navios prontos para o ataque, as chamas se alastraram além do imaginado e atingiram edifícios vizinhos, que estavam com a guarda de 40.000 rolos de papiro. Os rolos estariam no porto aguardando transporte para Roma.
O segundo momento, em 391 d.C.; é o retratado no filme, onde uma turba de radicais cristãos invadiu a biblioteca a fim de destruir estátuas pagãs e tudo que estivesse nas imediações. Finalmente o terceiro, em 641 d. C.; a cidade de Alexandria foi conquistada pelos muçulmanos, que destruíram todos os códices que estavam em desacordo com o livro de Alá.
Regressando ao filme em questão, a narrativa histórica retrata a digladiação mútua entre os intolerantes do paganismo, cristianismo e judaísmo; acarretando um ciclo vicioso de conflitos, que não apresenta perspectiva de findar. Mostrando que não há vítimas e opressores estereotipados, todos são potenciais agressores e agredidos. A grande parte dos indivíduos deseja impor sua visão, mesmo que a força, e dar o troco na primeira oportunidade. Buscando o domínio sobre o outro, a qualquer preço; são poucos os disposto a viverem em paz.
Este, é o retrato histórico daquela época. Levanto a possibilidade de paralelos entre o fim a antiguidade clássica e a contemporaneidade. Para mim, alguma semelhança existe… Será que, a intolerância praticada naquela tempo é a mesma de agora? Será que, ainda hoje, cada um de nós não é um potencial oprimido e opressor, ou um potencial perseguidor e perseguido? São perguntas que me faço… E ti, o que pensas?
Não pretendo taxar pejorativamente nenhum credo ou filosofia, seria por demais leviano e maniqueísta. Até porque, independente da crença (religiosa, filosófica, política etc), as pessoas são em natureza muito parecidas; espelhos uns dos outros, lados de uma mesma moeda.
Qual lição podemos aprender com do passado? Quando é que nós, seres “civilizados,” nos tornamos verdadeiramente conscientes? Quando conhecermos a nossa sombra de cabo a rabo. Sem isso, o hedonismo e a frivolidade disseminarão a inconsciência e a guerra por todos os nossos dias. A história é cíclica, enquanto não conseguirmos conviver na ágora mundi, nos transformando em profundidade, permaneceremos girando na roda do tempo, percorrendo um labirinto, sem libertação e real evolução…
“Certeza no coração,
bandeira branca no ar!”
(Geraldo Vandré)
Isabela Abes Casaca
http://www.novaagora.org/