Socialites e barrigudos – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Caros leitores, vivemos candidamente em dois Brasis: o das crianças magrinhas, subnutridas, com barrigões formados por verminoses ou qualquer outra porcaria ocupando o lugar da comida; e o dos desempregados que, aos 20 anos, trombam com a negação do trabalho, apesar do vigor da mocidade, por não ter experiência, e dos de 40 anos ou mais que, apesar da experiência, não dispõem da mocidade. Nesse país esquisito, tirano, cruel e desigual, povoado por banguelas, alguns dentistas se preocupam com o esgotamento de seu mercado de trabalho, porque o tratamento da água, nos grandes centros, já impede o surgimento das cáries. Mas, nas favelas e na periferia, os dentes apodrecem sem que as pessoas tenham assistência odontológica, apesar da massiva propaganda do governo que lembra aos incautos ser suficiente procurar um posto médico para participar do tal Brasil Sorridente. Puro e impiedoso deboche.


Existem no país hospitais dotados do mais moderno equipamento onde se pratica a mais sofisticada medicina para os filhos do capital. Aqui convivem profissionais premiados em suas academias, intelectuais de alto calibre, neurocirurgiões aclamados na Europa e multidões que nunca foram a um cinema, que batem às portas dos postos de saúde – esse nome é um paradoxo –, em busca dos medicamentos que o governo diz oferecer, mas que raramente são encontrados.

Nesses dois Brasis, os desprovidos da sorte são parados nas ruas por policiais que lhes pedem a carteira de trabalho, enquanto outros fazem a segurança dos colarinhos-brancos. As televisões mostram a cara dos suspeitos de pequenos crimes, enquanto o Supremo Tribunal Federal determina que os inquéritos de envolvidos em fraudes permaneçam protegidos pelo segredo de Justiça, podendo ser candidatos à reeleição e para conquistarem nova imunidade, ou será impunidade?

Em algumas épocas do ano comemoram-se feriados distorcidos pelo mercado, aumentando dramaticamente o fosso social. Natal, Páscoa e Dia das Mães quase nada significam para os deserdados da sorte, mortificados diante de campanhas chamadas de “Natal sem Fome” ou “Natal dos Pobres”. São tapas na cara dos desprovidos de tudo, cujo único e solidário direito é o de existir.

Imagine toda essa decepção transformada pelo fermento da revolta, brasa assoprada pelo ministro do Trabalho, para quem salário mínimo de R$ 1.320 significa aumento generoso. Não há dúvida de que habitamos dois Brasis, o dos socialites, poliglotas, cidadãos do mundo, jogadores de futebol e escolhidos do capital e o dos banguelas, dos barrigudos de verminose e dos subnutridos, que, retratados pelos cineastas do outro Brasil, são aplaudidos no exterior. Será preciso paciência ou perseverança?

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